No passado dia 15 de Setembro tive o prazer de estar presente na Masterclass dada pelo realizador Hideo Nakata durante o Motel X em Lisboa, um festival de terror que se realiza todos os anos em Portugal. Uma aula onde para além de conhecermos mais sobre a Filmografia de Nakata, podemos conhecer um pouco mais sobre a sua vida misturando a isto um pouco de humor.
1. Inícios de Carreira
2. Ringu
3. O Horror Sobrenatural no Japão
4. Maternidade: Fonte de Força ou Fraqueza?
5. Água: Tranquilidade & Destruição
6. Mais do que uma Equipa, uma Família
7. A Música de Nakata
8. Storyboard: Sim ou Não?
9. Analógico ou Digital?
Inícios de Carreira
Tal como muitos realizadores do Novo Cinema Japonês, Hideo Nakata começa pelos caminhos do Jornalismo, vindo mais tarde a descobrir o seu amor pela 7ªArte.
Inicia a sua carreira nos anos 80 na Nikkatsu como Assistente de Realização de Masaru Konuma, conhecido pelos seus filmes Pink, com o qual trabalha durante sete anos.
Em 1992, a Tv Asahi lança uma série de horror chamada “Histórias de Terror que Aconteceram Mesmo” que inclui três curtas de Nakata mais tarde lançadas em DvD e conhecidas como “Curse, Death & Spirit” (“A Boneca Amaldiçoada”, “Espírito dos Mortos” e “A Cabana Assombrada”). No entanto, a série acaba por se tornar um fracasso não só pela tardia hora de exibição como pela frase de anúncio: “Tão assustador que ninguém consegue ver”.
O realizador parte para Inglaterra pouco tempo depois mergulhado no Movimento de Cinema Livre Britânico onde produz e realiza alguns Documentários. Em 1996 fica sem financiamento para o Documentário “Joseph Losey: O Homem Dos Quatro Nomes” e regressa ao País do Sol Nascente para realizar “Ghost Actress” também conhecido como “Don’t Look Up”. Esta torna-se na sua primeira longa-metragem de Terror e embora lhe permita vencer o Prémio de Melhor Realizador no Festival Internacional de Cinema Mistério de Nishinoki no ano seguinte, Nakata afirma que a sua entrada para o Mundo do Terror foi puramente “acidental”, uma vez que, o objectivo da obra era puramente o de conseguir meios para terminar o seu Documentário sobre Losey.
Impressionado com “Ghost Actress”, Suzuki Koji (conhecido como o Stephen King japonês) pede a Nakata que adapte o seu drama “Ringu” para filme, estreando em 1999. Este torna-se o grande sucesso do realizador ajudando-o a ser conhecido a nível internacional (tendo mais tarde um remake americano) especialmente depois de vencer alguns prémios incluindo o Golden Raven do Festival Internacional de Filmes de Fantasia de Bruxelas.
A partir deste momento o realizador vira-se totalmente para o Terror (existindo ainda um filme de 2008 baseado no Manga “Death Note”, chamado “L: Change The World”), criando grandes êxitos sendo o último deles “The Complex” que estreou no dia 18 de Maio (exibido em Portugal durante o Motel X em Setembro).
Ringu
Suzuki Koji escreve “Ringu” em 1991 e pouco tempo depois pede a Hideo Nakata que faça uma adaptação cinematográfica do mesmo. Em colaboração com Hiroshi Takahashi nasce o argumento que fará Nakata conhecido internacionalmente. No entanto, ao contrário do que se pensa, este não é o primeiro filme baseado no livro. Para além de uma série de televisão anterior ao filme, nasce também “Sadako 3D” do realizador Tsutomu Hanabusa e que embora faça sucesso entre o público não agrada ao realizador por ter um estilo bastante diferente do de Nakata.
Em 2002, Gore Verbinski é contracto para refazer “The Ring” mas as diferenças estilísticas acabam por fazer os produtores recrutarem Nakata para a sequela. Sabendo que seria uma grande oportunidade na sua carreira e sendo informado de que teria liberdade para trabalhar como sempre fizera, o realizador aceita a oferta e mergulha numa nova aventura.
Aquilo que parecia uma experiência interessante e divertida torna-se num pesadelo e quase provocam a desistência de Nakata. Para além de ser confrontado com o facto de ter de usar duas ou três câmaras em simultâneo para as gravações, os produtores não paravam de o pressionar, chegando ao ponto de obrigar o realizador a pedir que deixassem o set. Quando parecia que nada podia piorar, a Produtora não gostou da primeira Montagem, feita por Nakata, criando inúmeras discussões durante a Pós-Produção.
Nakata afirmou que apesar de tudo, sente-se bem com o seu trabalho. Uma experiência internacional que se tornou um sucesso mas, não deixa de contar que quando a produtora lhe mandou um email de parabéns pelo bom trabalho, ele ignorou e nunca lhes respondeu de volta.
Ainda na América, impossibilitado de fazer um outro remake, aproveita e faz um Documentário sobre Hollywood intitulado “Guia para Hollywood dos Cineastas Estrangeiros”. Falado em inglês, é lançado em DvD e exibido em alguns Cinemas tendo apenas 1200 espectadores (“incluindo os meus familiares”- afirma Nakata com um pequeno riso num momento mais descontraído).
O Horror Sobrenatural no Japão
É muito comum vermos filmes americanos onde os Fantasmas proporcionam um ambiente gore, violento e sem limites. No entanto, nos filmes de Nakata, assim como em muitos outros filmes japoneses, encontramos um ambiente que embora assustador, recorre mais a emoções como a bondade, a ternura e o sofrimento dos fantasmas.
Isto acontece porque ao contrário do que aconteceu no Ocidente, no Japão não temos uma religião que divide o Mundo entre Bem (Paraíso) e Mal (Inferno). Nos países asiáticos em geral as pessoas tendem a interagir com os Mortos de outra forma, tentando perceber o porquê dos seus actos e tendo pena deles quando por detrás da violência está uma história de sofrimento. Por exemplo, em “Dark Water” percebemos que Mitsuko sente a falta de uma mãe transformando um monstro numa criança que mesmo depois de morta se sente só e apenas deseja o abraço quente e terno da mãe.
Maternidade: Fonte de Força ou Fraqueza?
Um outro elemento frequente é o de termos protagonistas não apenas femininas mas mães solteiras, mesmo quando originalmente os protagonistas eram homens.
Em “Ringu”, temos dois protagonistas masculinos que se transformam numa mãe com uma criança. Quando questionado sobre este facto, o realizador respondeu que era involuntário, talvez levado pelo facto dos país se terem divorciado quando era pequeno e de ter visto como a sua mãe o educava, mostrando tanto fraqueza mas também força, algo que não é tão perceptível quando temos um pai solteiro, já que o homem é geralmente sinal de força.
Para “Monsters”, um filme que deverá estrear em 2014 e que será o remake de “Haunters” (2010) do coreano Min-Suk Kim, embora não tenham alterado o sexo dos protagonistas, foi dada mais força e carácter à protagonista feminina.
Água: Tranquilidade & Destruição
Se existem dúvidas que Nakata dá uma grande importância à Água nos seus filmes, “Chaos” elimina-as rapidamente. Durante o filme é-nos passada a ideia nítida de que este elemento simboliza a protagonista. “A água não fica num só lugar, deve desaparecer de um lugar e aparecer noutro, é instável mas natural.” – afirma ele.
Por outro lado, e fugindo um pouco ao conceito asiático da água como símbolo de pureza e limpeza, Nakata fala-nos um pouco na sua aula do lado menos pacifista deste elemento da Natureza. “Os Japoneses temem a água”, afirmou ele explicando que devido às terríveis catástrofes naturais provocadas pela água, como o mais recente Tsunami de 2011, as pessoas têm um certo medo deste elemento sendo que ele aproveita esse medo inconsciente para dar mais impacto aos seus filmes. Sendo a Mãe de Todos, já que viemos do Oceano, tanto pode ser terna e protectora como mortífera e assustadora.
Para além disto, o realizador conta-nos um pouco sobre a inspiração acidental do poço de “Ringu”. Quando era criança, passou muito tempo na casa de alguns familiares que viviam no campo e que tinham perto da casa um pequeno poço. Para que ele não corre-se o risco de se magoar, os pais e familiares avisaram-no para que não se aproximasse do poço pois poderia cair, afogar-se e morrer (confessa ainda que mesmo hoje em dia sente-se desconfortável perto de poços). Não apenas temos mais uma vez a água como algo a temer como descobrimos que a ideia do poço para “Ringu” vem dos seus medos e receios enquanto criança.
Mais do que uma Equipa, uma Família
Durante a sessão foi perguntado a Nakata se achava importante trabalhar com a mesma equipa técnica, uma vez que, trabalhara mais do que uma vez com Kenji Kawai (compositor) e Junichiro Hayashi (director de fotografia).
O realizador rapidamente respondeu que é importante ter confiança nas pessoas com quem trabalhamos, gostar delas não apenas pelo talento mas pela personalidade, acrescentando: “o mais talentoso pode não ser o mais apropriado para o que quero.”
A Música de Nakata
Tal como se verifica em muitos dos filmes asiáticos a música não tem um papel tão importante quanto nos filmes ocidentais. Dando mais importância aos efeitos sonoros, gosta de coisas simples e subtis como podemos ver em “Sadako” onde as palavras “morte” e “Sadako” foram gravadas, reproduzidas ao contrário e acrescentadas a uma melodia.
“Os momentos de silêncio são importantes.” – diz o realizador ao mesmo tempo que confessa gostar dos filmes de terror Clássicos como os de Alfred Hitchcock. Durante a aula Nakata conta-nos ainda que chegou a receber um email de um fã a dizer que os seus filmes eram como um “horror silencioso”. Não importa o número de sustos, importa a forma como são feitos.
Storyboard: Sim ou Não?
Para quem trabalha em Cinema o Storyboard torna-se numa ferramenta indispensável sendo o local onde são pensados e organizados os planos a gravar, permitindo que não aconteçam erros durante as filmagens.
No caso de Hideo Nakata, embora ele se prepare completamente durante a pré-produção de um filme, nem sempre contracta um Desenhista, preferindo ter pequenos esboços feitos por ele, uma vez que, durante as gravações acaba por gravar vários ângulos, escolhendo os melhores seguimentos durante o processo de Edição e Montagem.
Analógico ou Digital?
1895, em França Auguste e Louis Lumière criam o primeiro Cinematografo, a caixinha mágica onde podíamos agora gravar as primeiras imagens em movimento. Dois séculos depois, as simples imagens em movimento que mostravam pequenos momentos do quotidiano deram lugar ao vasto mundo do Cinema. As novas tecnologias foram substituindo os caros, imóveis e pesados cinematógrafos por câmaras portáteis que estão ao alcance de praticamente toda a gente. A antiga película de celulóide que para além de cara pressupunha um processo de revelação ainda mais caro foi deixada praticamente de lado, uma vez que, a era digital trouxe cartões a “preço da chuva” e facilmente passamos a informação gravada nele para um qualquer computador, deixando o filme pronto a ser editado.
Hideo Nakata, no entanto, continua a não largar a película, gravando as suas obras em 35mm, uma vez que, esta continua a ter uma qualidade que o digital não consegue imitar. Especialmente para Terror, a película consegue gravar um preto que não é opaco (como acontece com o digital) permanecendo com um certo brilho que oferece uma beleza única.
Quando questionado se alguma vez iria abandonar a película ele responde com um pequeno riso: “o Manoel de Oliveira tem o dobro da minha idade, até lá nunca se sabe.” Quanto à sua próxima longa-metragem ele afirma que fará um ultimado à Produtora: “se não me deixarem filmar em 35mm não gravo.”
Mais do que uma aula séria foi uma reunião casual onde o professor dá dicas práticas e úteis aos seus alunos enquanto parece ao mesmo tempo descobrir coisas sobre si. Embora com visível dificuldade em se exprimir em inglês, explicou as ideias mais complicadas de forma simples e compreensível tanto para Cineastas como para simples Amantes do Cinema ou qualquer pessoa que tenha entrado na sala por pura curiosidade.
Escrito por: Ângela Costa