Virgílio Armando Martins, diplomata, poeta e japonólogo aventureiro, mais conhecido pelo nome literário Armando Martins Janeira, acreditava que o Oriente nos atrai sobretudo pelo seu mistério. Nascido em 1 de Setembro de 1914, em Felgueiras, licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa com 22 anos de idade. Janeira desde cedo se mostrou um apaixonado pelos “livros de costumes” de Wenceslau de Moraes, que o levavam por histórias que atravessavam o Japão. Wenceslau de Moraes, o português marinheiro e diplomata, que abandonou a pátria para adotar o Dai Nippon (Grande Japão), foi uma das grandes inspirações de Janeira, na sua vida e nas suas obras.
Em 1941, Janeira deu início à sua carreira diplomática, como cônsul de Portugal em Léopoldville, Liverpool e Sydney. Mas foi quando transitou para o Japão que Janeira se começou a sentir completo, a descobrir os mistérios orientais que o complementavam, tornando-se um homem inteiro: nem só ocidental, sem só oriental. Foi designado como primeiro secretário de Legação em Tóquio, onde passou a desempenhar funções de encarregado de negócios nos anos 50. E deixando-se contagiar mais uma vez pelo mistério do Oriente, Janeira regressou mais tarde ao Japão, de 1964 a 1971, como embaixador de Portugal em Tóquio.
“Observo os japoneses: todos eles estão imóveis e comovidos. Também eu me comovo, ao pensar que, de uma pequena aldeia do Reboredo, vim aqui, ao cume sagrado do Japão, à procura de maior comunhão com as suas tradições, a sua fé lendária, os mitos que alimentam a imaginação e o coração do seu povo.”
O fascínio de Janeira pelo Japão levou-o a explorar e estudar afincadamente a cultura oriental, e a redigir obras com os seus estudos, onde desdobra todos os mistérios que o rodeavam e que ia desvendando: a cultura, a arte do chá, as pessoas, a natureza. Não só como diplomata, Janeira viajou bastante pelo Oriente à procura de novas gentes e novos lugares, mas sobretudo de enriquecimento interior. De cada viagem que fazia pelo Oriente, e sobretudo pelo Japão, tentava sempre trazer dentro de si algo de novo, sensação que gostava de marcar nos seus livros (como, por exemplo, Caminhos da Terra Florida, O Jardim do Encanto Perdido e Peregrino).
Janeira retrata a cultura japonesa nos seus livros de forma fascinante, dedicando obras às paisagens, à arte, à história, à filosofia. No seu livro dedicado ao Noh, a mais antiga forma de teatro tradicional japonês, Janeira descreve-o como a mais bela forma de poesia da literatura japonesa. Estas peças de teatro, representadas sempre por homens, desenvolviam-se com movimentos lentos e leves, que ajudavam a desenvolver a presença de espírito e a capacidade de concentração.
Por estas razões, os samurais, antes de partirem para a guerra, gostavam de assistir a estas peças.
Janeira procurava seguir o caminho aberto pelos portugueses quando, em 1543, foram os primeiros europeus a chegar ao Japão, mais precisamente à ilha de Tanegashima. Assim, conhecia e cumpria afincadamente todos os rituais da cultura japonesa, adoptando-os como se fossem seus. Antes de deixar o Japão, Janeira dirigiu-se ao templo de Ise, para oferecer uma dança aos deuses do Japão, como homenagem ao povo japonês.
Para terminar a carreira diplomática, Janeira foi embaixador de Portugal em Roma e em Londres. Regressou a Portugal, onde, em 1980, já aposentado, voltou a leccionar História Contemporânea das Civilizações Orientais na Universidade Nova de Lisboa. Fundou o Instituto de Estudos Orientais, ao qual ofereceu uma biblioteca especializada sobre o Oriente, e foi ainda um dos fundadores da Associação de Amizade Portugal-Japão, acentuando, assim, o seu forte papel no reforço das relações entre Portugal e o Japão. Passou a viver no Estoril, onde veio a falecer em 19 de Julho de 1988.
A paixão de Janeira pelo Oriente deixou-nos, pelas suas obras, estudos e feitos, uma panóplia de conhecimentos e vivências que deixam transparecer em cada página as semelhanças e diferenças entre várias culturas e civilizações. Podemos saborear a harmonia dos dias de um português que descobriu no Japão a sua essência peregrina, nunca esquecendo as suas raízes transmontanas. A vida e obra de Janeira foram alvo da exposição temporária “Viagem ao Japão”, que foi possível visitar durante um ano, até Setembro de 2020, na Casa Sommer, em Cascais.
“Espero ter sido capaz de fazer sentir a amizade e a grandeza que os portugueses deixaram no Japão noutras eras e a viveza com que são ali hoje ainda recordados. Amei e amo o Japão porque, no Japão, aumentei Portugal.”
Escrito por: Leonor Carvalhão