Loading...
ArtigosCultura

Dansu dansu Dansu

Quem leu Em Busca do Carneiro Selvagem talvez tenha reparado que aí já se anunciava a publicação de Dança, Dança, Dança (1994), mas a surpresa foi saber que se tratava de uma sequela da “trilogia do Rato”. Alguns anos mais tarde, Murakami diz que escrever este romance foi como um “tratamento”, referindo-se ao choque do sucesso inesperado, e, ainda segundo o próprio, foi por causa deste acto de libertação que gostou tanto de escrever Dança, Dança, Dança.


Nota-se, realmente, o prazer com que escreve sabendo que vai transportar o leitor, desta vez numa viagem ao ritmo das grandes músicas dos anos 60, 70 e 80, para as realidades mirabolantes que cria, presenteando-nos, uma vez mais, com a presença do fabuloso homem-carneiro.

Desta vez, o já conhecido protagonista da “trilogia do rato”, ao qual Murakami teima em não dar um nome, decide abandonar uma vez mais Tokyo rumo a Hokkaido, motivado pela saudade que sente pela rapariga que o havia deixado no final de Em Busca do Carneiro Selvagem, de cujo nome nem sabe.

E lá vai o leitor com ele, uma vez mais a ser transportado numa viagem louca, agora quase consciente disso, partilhando com o protagonista, uma vez mais, as suas emoções, desta feita ânsia de rever o Hotel Golfinho. Não sei se é maior o espanto do protagonista ou a desilusão do autor ao deparar-se com um grande hotel de luxo no lugar do antigo hotel onde já tinha passado por aventuras inenarráveis. Ainda assim decide ficar na esperança de que algo aconteça. E claro que, ao estilo de Murakami, o inesperado acontece, as histórias intercalam-se, e o interesse não tem fim.

É, uma vez mais, no Hotel Golfinho, apesar de luxuosamente renovado, que reencontramos o homem-carneiro, em raras subidas a um 16º andar que, subitamente, é escuro e nada, com um cheiro estranhíssimo, de onde o homem-carneiro fala com uma voz que esmorece. Esta experiência acaba por ser testemunhada por uma funcionária do hotel com quem o protagonista se envolve e com quem tem, novamente, uma bizarra história de amor. No mesmo sítio onde tudo acontece, conhece uma adolescente cuja mãe negligente o havia incumbido de acompanhar até Tokyo, e os dois desenvolvem uma inesperada relação de amizade, aprendendo e crescendo um com o outro.

Curiosamente, o pai abastado de Yuki, a jovem rapariga, aparece-nos como um escritor falhado cujo nome é um curioso anagrama: Hiraku Makimura. Além de Yuki numa crise de adolescência e dos seus pais divorciados e problemáticos, o protagonista reata uma relação de amizade com velho conhecido de escola e actual actor e os dois acabam por se ver envolvidos no caso da morte de uma prostituta que tem, afinal, ligações a uma rede internacional e com a qual estão relacionadas algumas personagens relevantes.

Trata-se da conexão. A ligação com a música e o ritmo alucinante com que os episódios se sucedem. A relação homem-máquina na apreciação de carros japoneses e europeus, o status que um carro pode conferir, o gozo que pode dar. O sincero entendimento entre as pessoas, os laços de amizade e a transformação pela amizade, a dor da perda, a secura da solidão, a realidade intransponível da morte.

Mais do que qualquer um dos livros da “trilogia”, a escrita despreocupada com que este romance nos agarra tem o poder de nos levar ainda mais alto, mais além do ilimitado universo que Murakami já havia criado em torno do homem-carneiro. E no final a grande queda. Um nunca mais o ver, um nunca mais a ver. Um equilíbrio e a terrível realidade da luz da manhã.

Autor:Joana Fonseca

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Connect with Facebook

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.