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Em Busca do Carneiro Selvagem

Murakami já dispensa apresentações. Depois de ter ganho o prémio Kafka com o romance Kafka à Beira-Mar ou Umibe no Kafuka, de 2002, os romances deste escritor japonês tornaram-se best-sellers em Portugal. Bem antes disso, em 1982, escreve Em Busca do Carneiro Selvagem, romance que fecha a denominada “trilogia do Rato”, encetada por Kaze no uta wo kike (Heard the Wind Sing), de 1979, o primeiríssimo romance de Murakami, seguido por 1973-nen no pinbōru (Pinball, 1973), de 1980.

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Só o último livro desta trilogia está traduzido em português, e o acesso às traduções em inglês dos outros dois romances são bastante restritas. Ainda assim, sabe-se que, mesmo precocemente, Murakami já apresentava muitos dos traços literários que hoje se encontram nos seus romances actuais. Os dois primeiros romances da trilogia apresentam-nos Rato, um amigo do protagonista, alguém alienado de tudo, avesso à sociedade. As marcadas alegorias, o sobrenatural que é tão próprio dos romances do autor, as influências das suas preferências musicais e literárias, tudo isso já lá estava.

Ao ter nas mãos a edição portuguesa do último romance da trilogia, é impossível não reparar nos inflamados elogios estampados na capa e vem-nos à mente a palavra “pretensionismo” ou qualquer coisa do género. Leiam-no. Ficarão abismados como fiquei. Relerão a crítica do Daily Telegraph, tal como eu reli, que diz ser “impossível largar um livro de Murakami até chegar ao fim” e acharão que é dizer pouco. Logo nos primeiros capítulos se desvanece o receio de não perceber a história por se tratar do final da trilogia. É como que uma história diferente, porque posterior à dos livros anteriores, bastante simples e, simultaneamente, confusamente complexa se dedicarmos algum tempo ao penoso exercício de pensar.

Encontramos, agora, o protagonista em Tokyo, no ano de 1978, como um jovem adulto divorciado, publicitário, que vê a sua vida monótona ser subitamente sacudida pela extravagante proposta de procurar um carneiro especial. Após o espanto perante tal proposta, ficamos a saber que não existem assim tantos carneiros quanto pensávamos no Japão. É então que partimos com o novo aventureiro rumo a Hokkaido e este decide instalar-se numa pequena localidade, num local ainda mais pequeno, o misterioso Hotel Golfinho. Entretanto, pelo meio de uma deliciosa história detectivesca, o “nosso” aventureiro vê-se envolvido num estranho caso com uma jovem que trabalha como modelo de orelhas, das quais tem um enorme pudor, de tão perfeitas que são.

É no Hotel Golfinho que, num quarto repleto de documentação acerca de carneiros, começam os primeiros encontros entre o protagonista e o exótico homem-carneiro e as suas surpreendentes conversas, que seguimos avidamente, palavra a palavra. Quando damos conta já estamos completamente absorvidos por esta realidade avessa e espantosa, nem sabemos como fomos levados, como sair de lá, porque nem queremos saber disso. Onde está o homem-carneiro? Quando volta? – pergunta o ávido leitor, partilhando com o protagonista a ânsia de o reencontrar. Tudo culmina numa casa de quinta onde o protagonista se vê obrigado a isolar durante o Inverno, muito rigoroso no norte do Japão, esperando a “conversa final” com o homem-carneiro, que parecia teimar e não vir. O culminar é bastante satisfatório para uns, desilusão para outros.

É próprio de Murakami e prova da influência kafkiana um final nada apoteótico comparado com o que se esperaria e, ao contrário do desejo do “leitor amestrado”, a grande moral do final do romance está exclusivamente ao critério do leitor. Na minha singela opinião, tudo “aquilo” é verdadeiramente extraordinário e se fiquei com alguma mágoa, foi somente a de o livro ter acabado e assim se encerrar a “trilogia do Rato”.

Escrito por: Joana Fonseca

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