Ao observarmos a obra do artista japonês Yoshitomo Nara deparamo-nos essencialmente com a expressão revelada no rosto e no olhar das crianças que representa. Mas, porque é que os olhos enormes e brilhantes das representações de Nara transmitem medo, raiva, sarcasmo ou outro tipo de maldade ou emoção negativa? Afinal são crianças, não é?
A ideia de infância remete para os tempos felizes da ingenuidade, as crianças são queridas e sorriem de contentes tal como a maioria das pessoas concebe a imagem do que é um ser humano nesta idade. Isto não se demonstra na obra de Nara e para a analisar e compreender é necessário conhecer um pouco do seu percurso, a sua infância e juventude, assim como o que se passava na sociedade e na cultura do Japão na altura da sua formação.
Yoshitomo Nara nasceu no ano de 1959 em Hirosaki no Japão. A sua infância na região rural de Aomori foi bastante solitária, pois, os pais ao serem trabalhadores levaram a que Nara ao regressar da escola ficasse sozinho largas horas. O desenho e a música eram essencialmente as suas ocupações e o facto de estar só moldou-o como uma criança independente. A sua arte parece então retratar também a sua infância, o que observamos nas suas obras são crianças solitárias e os conflitos internos passados na mente destas.
As figuras infantis são sempre representadas sob um fundo vazio e desempenham actividades inócuas ou por outro lado seguram facas ou serras, mas sempre com um olhar maléfico, desconfiado ou sarcástico. O espectador foca-se sempre no olhar e pergunta-se sempre o que que estará a pensar aquela figura? Na verdade não é representada nenhuma acção má, tudo passa pela análise do público e esse sim, adulto. Nara responde quando lhe perguntam como pode representar assim crianças “Pensam mesmo que iam fazer algum mal? São crianças…”
Contudo, Nara diz que as suas influências se devem ao punk rock, aos cartoons americanos, manga e anime. As suas preferências musicais desde a juventude – o punk e o rock, tornaram-se motivação nas suas obras, a atitude provocatória, a rebelião e a solidão são princípios básicos ligados à atitude perante a vida inerentes estes estilos de música e cultura. A atitude não reprimida das bandas de rock levou até que Yoshitomo Nara criasse um personagem chamado Ramona que aparece recorrentemente nos seus trabalhos em homenagem à banda de rock Ramones, não só na sua obra pictórica mas também em t-shirts, postais, figuras coleccionáveis que se tornaram até mascotes do rock alternativo a nível internacional.
Em 1985 termina a licenciatura e em 1987 Nara tira o mestrado na Universidade de Belas Artes e Música do Distrito de Aichi. De 1988 a 1993 estudou na Academia de Artes de Düsseldorf, na Alemanha. Começou a realizar exposições individuais desde 1984. Ao ser um artista do pós-guerra teve a influência da cultura ocidental e da nova atitude estética e cultural que se revelava no Japão a partir da década de setenta. Nos anos seguintes começaram a surgir artistas japoneses com uma nova visão da arte que consistia em criticar a sociedade de consumo, tal como acontecia na Pop Art nos E.U.A.
Ao movimento dos artistas Japoneses que trabalhavam com base na sociedade contemporânea japonesa e criticavam os cânones de representação da sua arte tradicional foi dado o nome de Superflat devido à exposição colectiva organizada por Takashi Murakami no ano de 2000 que correu o mundo, onde Yoshitomo Nara participou também.
Nara utiliza as características típicas de representação da estética “kawaii”, tão presente e adorada na cultura japonesa contemporânea, as formas arredondadas, a cabeça muito grande em relação ao corpo, os olhos muito grandes e expressivos e um nariz e uma boca muito pequenos, assim como os membros pequenos e com um aspecto de não conseguirem desempenhar grande tarefa. Mas, Nara utiliza estes princípios para os contradizer pois ao possuírem uns olhos diabólicos e empenharem facas na mão deixam de ser queridos tal como a estética “kawaii” defende.
A arte de Yoshitomo Nara tem fãs por todo o mundo, inclusive músicos de bandas de rock como era de esperar e tende a democratizar a arte, pois não só podemos ver as suas obras de pintura, escultura e desenho, mas também tem livros, linhas de roupa, postais, figuras de colecção e a aplicação dos desenhos noutros objectos. Isto acontece numa escala mais pequena ao que por exemplo Takashi Murakami faz com a sua arte ao enfatizar a comercialização, mas Nara faz preservar a aura de arte optando por métodos tradicionais de execução das peças. Tudo o resto parte da observação e análise de cada espectador – havendo alguns que nas exposições lhe dizem “Percebo-o perfeitamente…!” Nara sorri e encolhe os ombros…
Escrito por Filipa Claro