Manji é um ronin desonrado por ter morto o seu mestre, ao descobrir as atrocidades que este tinha feito contra pessoas inocentes. Além disso, quando estava a ser apanhado pela polícia, matou o marido de sua irmã mais nova, que enlouqueceu e foi mais tarde vítima de um gangue. Após tudo isto, Manji encontra Yaobikuni, uma velha misteriosa que lhe dá os Kessenchu, vermes que viverão em seu corpo e o tornarão imortal.
Cansado da matança, Manji propõe a ela que os vermes o deixem morrer quando ele tiver se redimido por seus erros matando mil pessoas más. Ela aceita o acordo e Manji passa a usar suas 12 lâminas (uma mais criativa do que a outra) para cumprir essa missão.
Enquanto isso, o jovem espadachim Anotsu Kagehisa está em uma cruzada para destruir todos os dojo (academias de luta com a espada) e eliminar todos os estilos, unificando-os sob o seu comando. Entre os dojo destruídos está o da família de Rin, uma garota que viu seu pai ser morto e sua mãe raptada pelos homens de Anatsu e jurou vingança. Para isso, aconselhada por Yaobikuni, Rin contrata Manji como seu guarda-costas, com a tarefa de encontrar e matar Anotsu. Isso, porém, não é uma tarefa tão fácil como parece, já que Anotsu tem muitos espadachins capazes ao seu lado e não é facilmente encontrado.
Rin e Manji perambulam por várias cidades e passam por muitas aventuras em sua perseguição a Anotsu, durante as quais vão encontrando vários amigos e inimigos nos lugares mais inesperados. Ao mesmo tempo, vamos conhecendo melhor a vida e as razões que levaram os personagens a agirem como o fazem, e mesmo os objetivos de Rin e Anotsu, que pareciam tão firmes, são constantemente postos em cheque.
A arte é simplesmente fantástica para aqueles que apreciam um excelente traço, limpo e económico, mas não extremamente minimalista. A arte é toda em lápis e bico de pena, parecendo às vezes um simples croquis, mas de uma força expressiva assombrosa. Pessoalmente, prefiro Mugen no Juunin (Blade of Immortal) ao “recente” e famoso manga de samurais Vagabond exactamente por causa da arte, já que o desenho de Hiroaki Samura apresenta as cenas de violência de uma forma esteticamente muito bela (ao contrário do trabalho de Takezo, que é bem mais “cru”, embora ambos sejam bastante realistas). Mesmo os “sprays” de sangue e as cabeças cortadas ao meio descrevem arcos lindos ao caírem…
Apesar do banho de sangue, também há pitadas de um humor sarcástico e penetrante. Não sei se é bem o tipo de humor que a maioria das pessoas identifica como humor (e também é difícil saber o quanto a tradução consegue captar).
Quando “o bicho pega” há excelentes cenas de lutas de tirar o fôlego, principalmente no golpe final, que o artista costuma desenhar numa página dupla, como numa “mandala” (desenho em forma de circulo usado na meditação e no budismo). Mas os diálogos são também inteligentes e sarcásticos e há cenas bem mais contemplativas. A mistura certa de acção e conversa (ou ausência dela).
Que venham os vampiros… Não é algo para os fracos de estômago mas, como já disse, o sangue e a violência são bastante “estetizados” e acaamos por nos acostumar. Mas ainda hoje eu passo rapidamente e meio que de olhos fechados em algumas cenas, principalmente onde há cabeças cortadas ao meio ou membros sendo arrancados… Isso sem falar que, como Manji é imortal, volta e meia ele está carregando a própria perna ou o braço decepados até que eles se juntem de novo…
Poderia-se dizer que praticamente não há nenhum, se não pudéssemos ver um início de envolvimento se formando entre Rin e Manji… E mesmo Anotsu parece que vai se envolver sentimentalmente com alguém. O romance não tem destaque nenhum na trama, mas, como faz parte da vida, deve ter o seu espaço em algum lugar (afinal, os brutos também amam!).
Também poderia passar desapercebido, se não fossem os interlúdios nos quais o passado dos personagens, suas dores, medos e conflitos são revelados. Nada no estilo “novela mexicana”, mas naquela forma japonesa quieta e sofrida de mostrar como o destino muda a vida das pessoas e as deixa impotentes. Bastante dark às vezes, mas os personagens não se deixam abater e vão à luta do jeito que podem. No entanto, é muito bom ver como os personagens que no início parecem bastante estereotipados (o samurai solitário durão, a mocinha em perigo, o vilão sem coração etc.) vão se revelando mais e mais ricos e complexos.
Mas se o leitor for bastante atento e se interessar pela coisa, há toneladas de material sobre a vida no Japão feudal e os códigos de conduta da época, bem como uma excelente apresentação dos problemas sociais gerados por eles.
Como referi anteriormente, os personagens não são “planos”, como se diz na crítica literária, mas sim são apresentados de forma cada vez mais complexa. Não que eles mudem de personalidade ou assumam novos papéis na trama, mas temos a impressão de que eles são seres humanos que poderiam ter existido realmente e que teriam tais reações frente às situações em que se encontram, levando o leitor a se identificar com eles e a partilhar suas emoções.
Manji, o personagem principal, é um ronin errante e imortal que precisa matar mil pessoas más para conseguir o descanso eterno. É um lobo solitário que, no entanto, se afeiçoa mais e mais a Rin, apesar de, no início, vê-la apenas como uma substituta de sua irmã morta. Manji aceita ser o guarda-costas de Rin e em ajudá-la a vingar-se de Anotsu, mas, com o tempo, os dois passam a ser “companheiros de estrada”.
Manji só pode ser morto se alguém separar a cabeça de seu corpo, assim, ele está constantemente juntando os pedaços que são arrancados de seu corpo para que eles possam ser “colados” e regenerados pelo poder dos vermes mágicos. Apesar de arrogante, desbocado, cínico e aparentemente frio, Manji é, no fundo, uma boa pessoa que não suporta a injustiça e que tem uma visão muito clara de como a vida real funciona.
Rin tem 14 anos ao início da história e é filha de um mestre de artes marciais de quem aprendeu algumas técnicas. Apesar de ver na vingança o único objectivo de sua vida, ela sabe que não é páreo para Anotsu e encontra em Manji o aliado perfeito. No início, os dois têm um relacionamento difícil (que, na verdade, continua difícil por toda a série…), mas vão aprendendo a se respeitar mutuamente. Apesar de Manji vê-la apenas como uma garotinha, a dura vida da estrada faz com que Rin pouco a pouco se torne uma mulher. Ela passa a olhar Manji com outros olhos e começa a se apaixonar por ele.
Anotsu Kagehisa é o antagonista de Rin e Manji, inicialmente mostrado como um rapaz extremamente inteligente e habilidoso, não só com a espada mas também com várias outras armas, que tem como único propósito cumprir o sonho de seu avô: destruir todas as academias e estilos de kenjutsu (luta com espadas) pois, de acordo com o velho, a arte da espada havia deixado de ser legítima e os antigos samurais se prendiam a regras tolas e rituais inúteis ao invés de procurar lutar com todas as suas forças.
A promessa de Anotsu aceitar como guerreiro não apenas aqueles nascidos em família de samurais, mas sim qualquer um que fosse extremamente hábil com a espada faz com que seus seguidores aumentem dia após dia. Anotsu na verdade vai-se revelando como uma pessoa sensível, forçada a se transformar em um assassino frio para cumprir os deveres impostos por sua honra e sua família. Mas parece que ele também vai descobrir que há mais coisas na vida além do dever e do poder.
Minha série “séria” de samurai preferida (também adoro Rurouni Kenshin, mas tanto o traço como a proposta são voltadas mais ao público adolescente que a adultos, o que não é o caso de Blade). Os personagens são óptimos, a arte é fantástica, a história interessante, há até um suave toque de magia com a imortalidade de Manji, mas o que conta realmente é a sua habilidade e tenacidade. Na verdade, apesar de Manji ser o personagem principal, não sei bem se os verdadeiros protagonistas não são Rin e Anotsu, pois é o confronto entre os dois (ou o que eles representam, a velha e a nova ordem do mundo dos samurais) que realmente move todo o resto.
A produção como um todo é muito bem cuidada, com atenção à caracterização dos personagens não só através dos diálogos, mas de sua figuras, roupas, armas etc. Vale a pena mencionar algumas particularidades, como o facto de Hiroaki Samura ter misturado elementos típicos do Japão Medieval com elementos modernos: assim, alguns personagens falam de modo bem “clássico” enquanto outros usam a gíria de um marginal moderno. O mesmo acontece com o desenho, alguns personagens parecem punks saídos de um filme de Mad Max, mas tudo sem perder o conjunto. Depois de passar o susto inicial e aprende a desconsiderar o sangue e as cenas mais fortes, a história nos envolve e nos faz esperar sempre pelo próximo episódio.
“Manji” não é o nome verdadeiro do protagonista, ele é conhecido assim porque este é o nome em japonês do símbolo que ele traz nas costas do quimono, uma suástica. A suástica é um símbolo de prosperidade e boa sorte largamente usado no Budismo e, principalmente na época na qual se passa a história, nunca teve nada a ver com a suástica nazista (que, aliás, é invertida).
Na versão americana de Blade, os editores colocaram um longo aviso na contracapa explicando que aquele símbolo não tinha nenhuma conotação anti-semita. Uma situação irónica pois era demasiado “rebuscado” que alguém pudesse chegar que poderia haver alguma ligação, isto porque as histórias de Manji se passam alguns séculos antes da II Guerra Mundial. Pensando melhor suponho que pouca gente tem contacto com Budismo e simbologia oriental e por isso o esclarecimento, que pode contribuir para que as pessoas comecem a pensar mais em como os símbolos de uma cultura podem ter um significado completamente diferente em uma outra cultura, ou numa outra época.
Autor:Selma Meireles