Em 1924, George Mallory e Andrew Irvine partiram numa expedição para conquistar o cume do Monte Evereste, numa altura em que ainda ninguém tinha alcançado o cume da montanha. Tendo desaparecido quando já se encontravam perto do seu objetivo (o corpo de Irvine nunca foi encontrado, enquanto o de Mallory foi descoberto apenas em 1999), nunca se chegou a saber se ambos tinham alcançado o cume da montanha, pois a câmara fotográfica que transportavam e que provavelmente teria a prova de tal feito nunca foi encontrada. É a partir do misticismo desta expedição e da procura por tal artefato que começa a história de Kamigami no Itadaki (神々の山嶺).
Makoto Fukamachi é um fotógrafo que se encontra no Nepal a acompanhar uma expedição ao Monte Evereste que acaba em tragédia, tendo este testemunhado a mesma através da lente da sua câmara. Tentando esquecer tal acontecimento enquanto caminha pelas ruas de Kathmandu, dá por si a entrar numa loja onde encontra uma câmara fotográfica bastante parecida à que Mallory e Irvine levaram na sua viagem, avançando então para a compra desta. Infelizmente, Fukamachi vê a câmara ser roubada do seu quarto de hotel antes de poder verificar o filme da mesma. Partindo à procura desta, Fukamachi irá encontrar Bikha Sanp, um temido alpinista que Fukamachi suspeita que seja Jouji Habu, um prodígio do alpinismo japonês que se encontra desaparecido há vários anos.
De retorno ao Japão e tendo visto frustrada a sua tentativa de encontrar a câmara, Fukamachi desenvolve uma obsessão pela figura de Jouji Habu, partindo à procura de velhos conhecidos deste para saber mais sobre a sua história de vida, tornando-se a história e personalidade de Habu o foco principal da história deste manga.
Habu é uma força da natureza, obcecado por alpinismo desde jovem, tem uma personalidade bastante particular que o leva a ser uma pessoa bastante solitária, focando-se os primeiros volumes do manga na história da vida deste. O início da carreira, as suas rivalidades, a falta de meios económicos para perseguir os seus sonhos e a sua vida amorosa são alguns dos assuntos que são abordados, contados através das entrevistas que Fukamachi vai fazendo aos velhos conhecidos de Habu. Habu é pintado como uma pessoa inconformada, que faz do alpinismo um modo de vida, não ficando satisfeito em seguir rotas já desbravadas por outros anteriormente, focando-se em deixar a sua marca em cada expedição que faz.
Mas nem só em Jouji Habu se foca a história do manga, há também bastante destaque dado a outros dois personagens. Tsuneo Hase é outro prodígio do alpinismo japonês, que Habu encara como maior rival, pois os feitos deste rivalizam com os dele, havendo um enorme respeito e admiração mútua entre os dois. Outro personagem muito destacado neste manga é Makoto Fukamachi, o fotógrafo já anteriormente referido, cuja vida também vai ser alvo da análise ao longo da obra e cujo papel é vital para o desfecho da mesma.
Outro dos pontos interessantes de Kamigami no Itadaki é a vasta informação geográfica e histórica que a obra contém. Ao longo dos cinco volumes da obra são-nos apresentados alguns dos locais de maior destaque do alpinismo mundial e a história associada a estes. Há também bastante informação sobre a história do Nepal, soldados Ghurkas e um especial destaque para a importância que os Sherpas (guias de alpinismo nepaleses) têm para garantir o sucesso dos alpinistas estrangeiros que se aventuram nas montanhas do Nepal.
Inspirado na obra homónima de Baku Yumemakura, este premiado livro teve na sua adaptação a manga o privilégio de contar com a imaginação e o fantástico traço de Jiro Taniguchi.
Ao longo da obra Taniguchi dá “vida” às paisagens que desenha, focando-se nos mais mínimos detalhes, transportando-nos de maneira realista para os locais desenhados por este. A história é sublime e é complementada de modo perfeito pelos desenhos e argumento adaptado de Taniguchi, que tem em Kamigami no Itadaki mais um ponto muito alto na sua carreira (sendo difícil encontrar pontos baixos na carreira deste).
Kamigami no Itadaki (Summit of the Gods) é uma obra épica e inspiradora, tendo recebido vários prémios graças à sua enorme qualidade e até uma adaptação a filme. O seu foco na determinação que os personagens principais têm para cumprir os seus objetivos, leva-nos a ponderar sobre a nossa própria condição humana e o que estamos dispostos a sacrificar para satisfazer os nossos desejos e obsessões. A maneira bastante realista como a obra está montada ajuda muito a fortificar a história da mesma, dando a sensação que estamos a ler uma obra documental em vez de uma obra fictícia.
Já li mangas bons, mas este ultrapassa a fasquia do bom e entra no campo da obra-prima, dando vontade de partir para as montanhas após finalizar a leitura dos cinco volumes da obra.
Escrito por: Nuno Rocha