Baterista, percussionista e compositor, Satoshi Takeishi é um daqueles artistas cuja expansão musical é apenas comparável à geográfica. Nesta entrevista, fala sobre o seu percurso, desde Mito, no Japão, a Nova Iorque, nos EUA, onde vive desde 1991, movendo-se entre o jazz, a música latina e as esculturas sonoras do projecto Vortex, onde, com a sua mulher, Shoko Nagai, explora improvisação e processamento áudio em tempo real. Protomemórias de um viajante sonoro.
Antes do passado, o presente. No que é que tem estado a trabalhar?
Neste momento, estou a trabalhar com Dhafer Youssef, um grande executante de Oud e cantor tunisino, assim como com os projectos Renku e Twines of Colesion, de Michael Attias. E também trabalho permanentemente com a minha mulher, Shoko Nagai, no nosso projecto electro-acústico Vortex.
Voltemos então atrás no tempo. Quando é que se começou a interessar pela percussão e, mais concretamente, pela bateria?
Bem, o facto é que comecei por tocar bateria e só depois, gradualmente, é que tomei contacto com instrumentos de percussão. Quando estava em Berklee, um baterista brasileiro mostrou-me como tocar samba com uma baqueta e uma mão num só suporte. Isso mostrou-me como um só elemento de percussão pode expressar tanto ou mais do que todo um conjunto. Estou sempre interessado na forma como o universo de um simples elemento pode ser alargado, seja no caso de um instrumento de percussão, de parte de uma bateria ou de uma ideia musical.
Um elemento interessante da sua formação musical foi os quatro anos que viveu na Colômbia. Qual a foi a importância dessa experiência, e de que forma viria a influenciar o seu trabalho?
Posso seguramente afirmar que o período que passei na Colômbia foi o mais importante da minha, dos pontos de vista musical e emocional. Mito, encanto, magia, montanhas e rios, ruas poeirentas, humildade e inocência, drama e comédia, humanidade e tragédia, e todas as cores e odores, das flores à comida e às pessoas. Estes elementos são o âmago do meu som. Todas estas coisas permanecem comigo e mantém-me vivo, enquanto mitos.
Quais foram as figuras mais importantes para si, do ponto de vista formativo?
Eu nunca idolatrei ninguém. Mas estarei sempre agradecido ao meu professor, Jimmy Southerland (que já não se encontra entre nós), que me disse para tocar bateria “com o meu rabo aparafusado a um banco”. Espero que estejas orgulhoso de mim, Jimmy…
O facto de, posteriormente, ter estudado e tocado com Joe Zeytoonian abriu-lhe uma “janela” conceptual?
Sim, foi. E tenho de contextualizar essa história, que aconteceu em Miami, no final da década de 1980. Se imaginar o quão frustrado eu estava enquanto tentava explorar o lado mais experimental da música, o Joe foi a única pessoa com quem eu podia partilhar essa ideia. A ideia de executar música de uma forma menos convencional. Ele é um mestre de música árabe, turca e arménia, e também um grande improvisador. Então, actuámos bastante em duo ou trio, tocando com a sua companheira Miriam, que é também uma excelente percussionista e dançarina.
Em que ponto é que o seu percurso musical o conduziu ao jazz?
Pop, rock, funk, fusão, brasileira, afro-cubana, jazz, improvisação livre, colombiana, árabe, turca, africana, da Europa de Leste, electrónica, etc… Essa é mais ou menos a ordem pela qual vim a aprender diferentes géneros de música. O jazz é apenas parte do meu processo de aprendizagem.
O facto de viver nos EUA foi significativo, a esse nível?
Bastante. Especialmente em Nova Iorque, onde todo o tipo de grandes talentos se reúnem. E isso faz com seja fácil experimentar vários estilos artísticos. É claro que, por vezes, é difícil não nos perder, mas enquanto soubermos o que queremos, poderemos alcançá-lo. Eu desenvolvo uma série de projectos que seriam impossíveis em outros locais.
Ao permanecer nos EUA, foi fácil manter o contacto com o mundo da música latina?
Miami é uma cidade com uma enorme comunidade latina, assim como Nova Iorque. É possível trabalhar apenas com música latina, se assim se desejar.
Por outro lado, e tendo em conta a perspectiva multicultural do seu trabalho, ainda se sente próximo das suas raízes japonesas?
Eu diria que as minhas raízes/influências japonesas estão presentes no meu som, goste eu ou não. O que é interessante neste caso é que tenho cerca de cinco anos de experiência a tocar no Japão e cerca de 25 no estrangeiro. No entanto, ainda mantenho comigo um certo sentimento em relação às minhas raízes japonesas.
Ao longo dos anos tem colaborado com vários e variados nomes da cena jazz (Ray Barretto, Anthony Braxton, Erik Friedlander e Michael Attias são apenas quatro nomes numa vasta lista). É possível para si apontar as mais importantes ou significativas experiências que teve, no que diz respeito a enriquecimento pessoal e evolução musical?
No meu caso pessoal, todos esses momentos de “revelação musical” aconteceram em momentos bastante casuais. Como na sala de ensaio de uma banda de liceu ou num pequeno bar em Bogotá, ou num clube em Miami, etc… Em todos esses momentos, eu estava a tocar e então, de repente, “a música fez realmente sentido”. Dito isto, sei que cada um dos músicos com quem toquei me abençoou com “experiências significativas”.
Outro aspecto do seu trabalho é a improvisação. É esta uma consequência da sua abordagem pessoal à música, ou apenas a vontade de experimentar?
Para mim, a improvisação é um teste de força. Por vezes, tocar sem premeditação pode-nos revelar bastante sobre nós próprios, o que pode ser desapontante. Mas dá-me força para lidar com a música em qualquer situação.
De que forma é que aplica esse conceito ao jazz?
Ajuda-me a ser livre de uma forma estruturada.
O tema da improvisação conduz-nos ao projecto Vortex, onde explora o processamento áudio através de sistemas computorizados. Em que momento é que começou a usar a electrónica?
Há cerca de sete anos.
Encontra alguma relação entre o seu uso e a perspectiva que mantém em relação à percussão?
Para mim, ambas (electrónica e percussão) são instrumentos para produzir música. A minha abordagem é a mesma, trate-se de electrónica, percussões ou bateria.
Que tipo de equilíbrio encontrou, entretanto, entre as dimensões acústica e electrónica, em termos de som e composição?
Gosto que a electrónica seja a extensão de um som acústico. Essa é a razão pela qual normalmente não uso nenhum material sonoro que não seja o que se encontra em palco, quando estou a tocar. Recolha ao vivo, e depois processamento. Ainda tenho muitas coisas para aperfeiçoar, mas encontro grandes possibilidades na tentativa de combinação entre improvisação, electrónica e elementos acústicos.
Autor:Nuno Loureiro