Quando já nos habituávamos a vê-lo como o guitar hero da cena noise japonesa, Keiji Haino pôs de lado a guitarra e experimentou outros sons, como os da medieval sanfona e os da percussão metálica, além da própria voz.
E se as seis cordas já ele as processava fortemente, fosse a solo ou no seu projecto Fushitsusha, ei-lo que surge com um disco inteiramente electrónico.
Como seria de esperar da parte de um músico tão performativo, a electrónica de Uchu ni Karamistsuiteiru Waga Itami (Tangled up in the universe, my pain, em Inglês) não é a computadorizada, mas precisamente a que lhe permite uma maior gestualidade, a proporcionada pelo theremin em versão digital e por aquilo a que ele chama de air synth e air FX, ou seja, instrumentos e gadgets que necessitam da proximidade do movimento para serem accionados.
A energia e a densidade do conteúdo deste disco são as de sempre, mas aqui a um nível microscópico, para não dizer subatómico, particularista na forma como esculpe cada pormenor, incisivo sem ser matemático e altamente concentrado – os drones são habitados por seres liliputianos e as investidas sonoras têm carne e substância, que não apenas aparência.
O que significa que continua a fazer uma body music para as sinapses, condicionada por um factor que Haino, assumido xamã contemporâneo, considera básico na criação sonora, a experiência da dor, o mesmo factor que o leva a contestar as pretensões daqueles que dizem fazer música de cura, com o argumento de que não é possível curar sem antes ter vivido a doença.
Pelo ouvido, o antigo mentor dos seminais Lost Aaraaff prefere ficar pela sintomatologia do que não funciona bem organicamente. Esta é uma música de clínica geral (identificação das patologias), não de cirurgia recuperadora.
Autor:Rui Eduardo Paes