Antes de mais, é necessário contextualizar os dias que se viviam, pouco tempo antes do meio da década de 90. O gira-discos, era redescoberto, e a sua posição no mundo pop, ganhavas novas funções. Já não constituia apenas um aparelho de reprodução sonora, o intuito com que nasceu, nem somente catalizador das vontades do corpo e da alma como usado na jamaica, e a função de suporte sonoro, quer para os puzzles dos compositores electro-acústicos ou para a nova forma de canção-protesto, o rap.
Agora o gira-discos, ganhava vida própria como instrumento associado a um sampler. Os Massive Attack, pegaram nele em vez de uma guitarra, e construiram canções, os Portishead integravam-no numa versão personalizada de elemento de uma normal banda rock, e os visionários da editora londrina Mo Wax, dirigida pelo jovem James Lavelle, fizeram um livro de instruções para a utilização do gira-discos na arte do devaneio pop contaminado pela vanguarda.
Nós vivíamos tempos de grande exaltação pop, espero tê-lo demonstrado no parágrafo anterior. E na mais sofisticada editora, de onde vieram testemunhos de um novo futuro para o gira-discos, surge um álbum clássico. Tocado por instrumentos verdadeiros, aromatizado por quem sonhava um dia reconstruir a raíz da pop de devoção negra. Eram sobretudo japoneses, vindos do grupo de DJs Major Force.
Aliás, o Japão dispunha de referências fortes no mapa da eletrónica. Yellow Magic Orchestra, erguia um mundo tecnológico com Tecnodon, e daqui Riyuchi Sakamoto aprendia o teorema básico da fusão do Quarto Mundo do criador Jon Hassell, usando as máquinas apenas como meio de cálculo, enquanto isso, a bossanova e o hard-bop eram ressuscitados por uma organização disponível para salvar almas em perdição United Future Organization.
As referências, são vastas. O título já repararam? quase era uma imitação de Head Hunters de Herbie Hancock. E a música, fluia entre o registo soul, jazz, uma suave pincelada de rock, visitando áfrica e os seus tabus, ou nunca esquecendo a evocação ao deus do cosmos Sun Ra. Agora, é naturalíssimo encontrarmos djs integrados em bandas tradicionais, músicos de consciência virtual a tentarem viver a vida tal como esta nasceu, e a cartografia por se orientam, mas do que nunca reablita os anos 70, onde a soul, o jazz, o funk e o rock, nem sempre tinham fronteiras definidas.
Mas em 1994, para quem tinha acabado de ser conquistado para o mundo da pop electrónica, tendo feito a sua formação nos sólidos canônes da canção dos anos 80, e estava ainda longe de conhecer as paisagens de encontro do classicismo com o modernismo de Miles Davis, o rare groove dos anos 70 e até o mágico da alquimia africana, Fela Kuti, por exemplo, deliciava-se com os Love T.K.O. .
E hoje, tendo inciado a aprendizagem do momento em que a régua de cálculo começa a dar às contas do transistor, Head Turner é ouvido ainda com mais atenção, pois com uma cultura musical um pouquinho maior, reconhecem-se melhor os sinais de liberdade e estudo criativos, presentes de forma subtil, e que eu não entendia por falta de conhecimento. Além disso, foi profético. Vejam os casos dos Cinematic Orchestra, ou de toda a vaga azul vinda do Norte da Europa.
Autor:Paulo Sebastião