O coleccionismo de bonecas de plástico, em geral à escala 1/6 (20cm – 30cm) tem vindo a crescer nos últimos 10 anos muito devido a grande parte dos coleccionadores actuais serem a primeira geração a crescer com brinquedos de plástico, baratos e produzidos em série. O fenómeno começou antes, mas popularizou-se principalmente no Japão e na Ásia através da boneca Blythe, no final dos anos 90.
A boneca Blythe nasceu em 1972 pelas mãos da designer de brinquedos Allison Katzman, para a extinta Kenner, a mesma empresa que fabricava os brinquedos de Star Wars, que se inspirou nas ilustrações de Margaret Keane, muito populares na altura. Infelizmente, em grande parte por causa do mecanismo que lhe faz mudar os olhos, a Blythe foi apenas produzida durante um ano e foi um flop comercial. Com a falência da Kenner os direitos da Blythe passaram para a Hasbro e ela foi votada ao esquecimento por cerca de 20 anos, despertando apenas o interesse de curiosos e alguns coleccionadores.
Nos anos 90, a fotógrafa e produtora Gina Garan (na foto) recebeu de presente uma Blythe por a acharem parecida com ela. Gina entreteve-se a fotografar a sua Blythe durante as viagens que fazia a trabalho até editar em 2000 This is Blythe, um livro com as suas fotografias, agora também edição de coleccionador.
O livro despertou a atenção dos coleccionadores de brinquedos do mundo inteiro incluindo Junko Wong, directora da Cross World Connections, uma produtora de conteúdos e merchandising no Japão. Junko criou uma camapanha para a cadeia de armazéns PARCO ainda em 2000, a CWC entusiasmou-se com o sucesso da boneca e, juntamente com a fábrica de brinquedos Takara, começaram a produzir em 2001 uma nova versão da Blythe, a Neo Blythe, réplica da Blythe de 72, e a Petite Blythe, com cerca de 10cm de altura. O primeiro modelo, a PARCO, esgotou em questão de horas. Nesta versão as Blythes já não são dirigidas a crianças mas a jovens japonesas como um objecto coleccionável e ícone de moda.
O design das primeiras Neo Blythes foi directamente inspirado nas Blythes dos anos 70, com cores de cabelo naturais e embalagens com um design retro. Desde então inúmeras variantes vêm sendo lançadas todos os anos, incluindo edições comemorativas de aniversário e colaborações com artistas e designers conhecidos. Em 2011 foi lançada a Middie Blythe, mais um modelo com um tamanho intermédio, entre a Neo Blythe e a Petite Blythe.
A primeira grande colaboração mediática foi a campanha da SONY Minidisc, em 2001 e anterior ao lançamento das Neo Blythes, com fotografias de Gina Garan, que colocaram as Blythes (ainda as Kenner) no mapa para muitos fãs. Desde então houve colaborações com diversas marcas, japonesas ou ocidentais, incluíndo o falecido estilista Alexander McQueen com uma colecção da McQ para a cadeia de roupa a retalho norte-americana Target, ou a marca de roupa italiana Bottega Veneta, para a qual foram criadas Blythes-manequins à escala real, que protagonizaram uma campanha publicitária, um catálogo e estiveram expostas temporariamente em montras da marca pelo mundo.
Quando as Neo Blythe fizeram um ano, foi lançada a primeira boneca de aniversário, a Miss Anniversary, hábito que tem sido repetido desde então, com modelos especiais muito cobiçados pelos coleccionadores. O modelo do 10º aniversário foi a Neo Blythe Ten Happy Memories, acompanhada pela Petite Birthday Party Surprise e a recém-chegada Middie Cherish Me Always, um conjunto de bonecas romântico. Mantendo-se afastada da tendência das character dolls, em 2005 foi criada a única Blythe até à data baseada numa pessoa real, a Tommy february6, em colaboração directa com Tomoko Kawase, música japonesa e a verdadeira Tommy february6, também fã das Blythe. Em 2009 apareceu a Doronjo x Blythe, a primeira inspiração num anime, recriando a vilã de Yatterman, por altura do lançamento da adaptação da série da Tatsunoko para cinema, realizada pelo famoso Takashi Miike. Desde então houve apenas mais duas colaborações do género, a primeira, B2-HOLiC, uma colaboração com as famosas mangaka CLAMP, recriando Yuuko Ichihara, a protagonista de xxxHOLiC e Rei Ayanami – White Light, baseada na personagem Rei Ayanami do anime e manga Neon Genesis Evangelion, para comemorar o lançamento de um dos novos filmes. Não são estas as únicas edições especiais ou limitadas, ao longo dos anos têm havido edições de Blythes em colaboração com variadas marcas internacionais e japonesas, tais como a Nike, a Q-pot, Emily Temple Cute, Baby, the Stars Shine Bright, Hello Kitty, entre muitas outras.
E em 2012 a Blythe fez 40 anos! Até 2010 a CWC organizou um concurso internacional temático em que os concorrentes competiam com uma Blythe “customizada” ou estilisada à imagem do tema. Os concursos, abertos a amadores e também com contribuições de profissionais, geravam uma grande exposição e por fim a boneca vencedora (entre os concorrentes amadores) seria produzida comercialmente e as restantes leiloadas para uma instituição de solidariedade, em geral ligada à infância. O último concurso teve o tema “Manga Girl Inspiration” de onde surgiram algumas réplicas de personagens conhecidas da manga e anime como Minky Momo, Sakura Kinomoto (Card Captor Sakura), Kimihiro Watanuki (xxxHOLiC), Maetel (Galaxy Express 999), Sally (MahouTsukai Sally), Oscar de Jarjayes (Versailles no Bara), Cyborg 003 (Cyborg 009), Lupin III, Black Jack e muitas mais. A própria boneca de aniversário desse ano, a Marabelle Melody, era uma magical girl que tinha a sua equipa com poderes especiais.
Os direitos de produção e comercialização das Neo Blythe, as únicas réplicas das Blythes originais a serem produzidas actualmente, foram cedidos à CWC/Takara, apenas para o Japão e a Ásia. Por isso, a sua comercialização no resto do mundo torna-se um problema, em especial nos Estados Unidos, onde a Hasbro controla a produção e distribuição, mas não as produz nem importa. Em 2004 foram cedidos os direitos de produção à empresa norte americana Ashton-Drake Galleries, e assim nasceram as mais robustas e baratas Blythe ADG, réplicas fiéis dos modelos originais da Kenner. Mas o seu fabrico foi pequeno e de curta duração, nunca mais foram lançados novos modelos ADG.
Recentemente a própria Hasbro resolveu associar Blythes em tamanho pequeno, semelhantes às Petite da Takara, à sua linha de brinquedos de sucesso, as Littlest Pet Shop, criando as Blythe LPS. A grande diferença destas Blythes, para além do seu tamanho diminuto, é serem dirigidas novamente a um público infantil e serem facilmente acessíveis em lojas de brinquedos e hipermercados tanto nos EUA como na Europa , Portugal incluído. Mas a tentativa de cativar as crianças para um brinquedo agora essencialmente consumido por coleccionadores adultos, ignorando os verdadeiros fãs, foi feita com pouca convicção e sem sucesso e actualmente é praticamente impossível adquirir Blythes em retalho nos países ocidentais.
No Ocidente já se coleccionavam as Blythes como curiosidade, pelo seu curto tempo de produção e como boneca exótica. Com o seu “renascer” em 2001 não foram só os japoneses que prestaram atenção a estas bonecas macrocéfalas, mas também os coleccionadores ocidentais. Naturalmente e por mão de Gina Garan, os primeiros foram os norte-americanos, mas como as Blythes da Kenner também foram comercializadas nalguns países anglo-saxões, logo se seguiram a Europa e a Austrália, assim como muitos países asiáticos, vizinhos do Japão. Tornou-se evidente que os fãs eram muitos, quando em 2009 foi organizada a primeira BlytheCon nos Estados Unidos. Logo no ano seguinte foi organizada a primeira BlytheCon UK, originalmente apenas para os fãs do Reino Unido, à qual se juntaram muitos fãs de outros países, por ser a primeira convenção do género na Europa, e no final do mesmo ano deu-se o Le Jour B em Paris, França. Desde então os encontros alargados e convenções multiplicaram-se e actualmente temos “cons” em Barcelona, Galiza e Sevilha, em Espanha, a BlytheCon Europe, todos os anos numa cidade europeia diferente, a BlytheCon Austrália, BlytheCon Brasil, e muitos outros.
A maioria dos fãs da Blythe em todas as suas formas, são norte americanos, espanhóis ou brasileiros. Em Portugal também há bastantes fãs, à imagem dos outros países, a maioria são mulheres entre os 30 e os 40, e dispersos pelo país. O passatempo tem despertado pontualmente os nossos media, mas ainda com pouca repercussão. Há alguns anos uma das lojas online que as importava e em muito ajudou a divulgar estas bonecas pelo mundo foi a Miss Blythe, gerida por uma portuguesa de Setúbal, uma das primeiras fãs e coleccionadoras desta boneca. A Miss Blythe entretanto fechou, mas a sua dona continua activa na comunidade.
Os fãs da Blythe convivem online, muitos através de fóruns, da plataforma Flickr, mas também através de outras redes sociais e de partilha de imagens como o Facebook, o tumblr, Twitter, Instagram, etc. O passatempo manifesta-se criativamente através da confecção de roupas ou miniaturas para as “meninas”, fotografando-as, aproveitando a sua incrível fotogenia, ou “customizando-as”, ou seja, transformar a boneca-base em algo ao gosto de quem as cria ou as encomenda. Ultimamente os preços altos e o negócio paralelo que veio atrelado ao consumo das Blythes têm gerado alguma polémica e o ambiente na comunidade, aliado a uma transformação grande na navegação e condições de utilização do Flickr, esmoreceu. Problemas com a contrafacção, as bonecas são fabricadas na China, falhas no controlo de qualidade e alguma falta de comunicação entre a CWC e os coleccionadores, também contribuíram para algum mau estar.
Quem vive fora do Japão ou da Ásia e quer coleccionar Blythes agora, tem de as encomendar algures da Ásia ou comprá-las em segunda mão a outro coleccionador. Por outro lado vesti-las é bem mais fácil, apesar de a CWC/Takara terem lançado alguns fatos “oficiais”, muitos fãs confeccionam roupas e acessórios e comercializam-nas através de pequenas lojas online. Há de todos os estilos e níveis de qualidade, desde vestidos simples e baratos até fatiotas de alta-costura feitas por encomenda. Quem quer uma Blythe exclusiva, diferente de todas as outras, à sua imagem, de um ente querido, celebridade, personagem ou até animal, pode optar por adquirir ou encomendar uma “customização” a um dos muitos fãs e artistas que as fazem.
Mas afinal o que diferencia as Blythes umas das outras? A cor dos olhos. As cores base dos olhos das Blythes da Kenner e das Neo Blythes são o verde (esquerda), rosa (frente), azul (direita) e laranja (frente). A grande maioria das edições especiais tem uma ou mais cores especiais, que variam por todo o espectro. Por vezes têm chips (o nome dado às iris de plástico) especiais com desenhos (as da Baby, the Stars Shine Bright, a Doronjo) ou pestanas especiais, em geral mais longas e naturalistas. Por norma o mecanismo que muda a cor e direcção dos olhos permite fechá-los temporariamente para que se dê a mudança, mas não permite mantê-los fechados. Existe uma variante do mecanismo, os sleepy eyes, introduzidos com a boneca de aniversário Princess à la Mode, que tem dois cordões, um para fechar e trocar a cor dos olhos, outro para os abrir. A cor e textura do cabelo, que pode variar do branco ao preto, com todas as cores do arco-íris pelo meio, com franja ou sem franja, risco ao meio, risco ao lado, liso, ondulado, encaracolado, etc. O tom de pele vai do translúcido (Miss Sally Rice), do quase branco (B2-HOLiC) ao moreno (Prima Dolly Heather Sky), mas ainda não há Blythes negras, a maquilhagem também muda, em geral sombra nos olhos, blush e batom. Por fim, mais para os especialistas, ao longo dos anos têm sido criados vários moldes para as cabeças, que criam diferenças subtis na expressão da cara, tamanho dos olhos e textura da “pele”, que vai do mate ao brilhante mais comum. São esses moldes que diferenciam as séries de Blythes, por ordem: Blythe (BL), com o corpo das bonecas Licca-chan, Excellent Blythe (EBL), com um novo corpo semelhante ao da Kenner, Superior Blythe (SBL), Radiance Blythe (RBL), Fairest Blythe (FBL) e Radiance+ Blythe (RBL+). Na maioria dos casos a criação de um novo molde dá-se devido ao desgaste do anterior, no exemplo dos RBL e RBL+ isso é evidente pois são praticamente idênticos, mas já se notavam muitas falhas no molde RBL, como o aumento do tamanho da cavidade dos olhos.
Quem queira uma Blythe personalizada em geral altera ou manda alterá-la à sua vontade. Esse processo é praticamente sem limites e vai desde um simples repintar a maquilhagem ou tirar o brilho ao plástico a reesculpir a cara, mudar o cabelo para outras fibras naturais ou artificiais e trocar-lhes o corpo.
A Blythe iniciou um novo modo de olhar o coleccionismo de bonecas, deixando as mesmas de estar a ganhar pó numa prateleira ou vitrina, para andarem nas ruas, serem fotografadas nas mais diversas situações e até servirem de inspiração para inúmeros designers que produzem roupas e acessórios para elas ou que as personalizam com as mais diversas características.
Escrito por: Leo Pinela
Gilberto M. F. Jhunior
Meu Deus ! Quanta informação ! Tem algumas que nem eu, que sou colecionar, tinha conhecimento !
Parabéns pela matéria ! Vou divulgar !
t3tsuo
Obrigado pelo comentário e por divulgar a matéria!
Misato
Obrigada Gilberto, como coleccionadora fico contente por ter chegado a um colega ^___^ Ainda bem que gostaste!
Ana Maria
Aqui no Brasil temos fóruns e sites bem informativos, mas seu texto está bem completo. Parabéns pela pesquisa efetuada. Nosso BlytheCon Brasil acontece em 20 de setembro de 2014 em São Paulo. Estarei lá.
Um abraço da blythera do outro lado do oceano
Ana Maria
Misato
Obrigada Ana Maria!
Costumo estar mais ou menos atenta aos movimentos no Brasil, mas vocês são imensos e não consigo acompanhar 😉
Beijinhos
ana caldatto
Parabéns!
Excelente matéria sobre boneca Blythe
compartilhando informação ao BlytheCon São Paulo
que acontece dia 20 de setembro 2014
aberto ao publico e colecionadores
https://www.facebook.com/blytheconBrasil
Teresa Lourenço
Numa pesquisa do google, vim parar aqui 🙂
Fiquei super esclarecida.
Obrigada
Misato
Ainda bem que ficou esclarecida. Como fã de Blythes sinto que há muita falta de informação, principalmente em português.
Inês Laires
É pena essas bonecas serem tão caras! :c
Misato
Sem dúvida, principalmente porque o seu fabrico nem sempre justifica o preço.
Débora Magalhães
A melhor matéria sobre Blythe,e sua história. Parabéns
Débora Magalhães
A melhor matéria sobre Blythe e sua história. Parabéns
Misato
Muito obrigada, Débora.
Luciane
Olá!!
Parabéns pelo texto!
Acredito que vale a pena a adicionar um novo fato… Inicialmente acreditava-se que a designer da boneca Allison Katzman, havia se inspirado nas obras da da pintora Margaret Keane, mas em uma entrevista para o Blythe Con Seattle 2014, ela afirmou que sua inspiração foi a Betty Boop (http://bconseattle.blogspot.com.br/2014/06/allison-katzman-junko-wong-panel-talk.html)
Abraços 😉
Lu Doll
Misato
Olá!
Obrigada pelos parabéns.
O atigo foi (re)escrito pouco tempo antes da BlytheCon Seattle 2014, por acaso já sabia, mas obrigada na mesma pela adenda. 🙂
Beijos
Misato