Provavelmente nenhum de vocês tem um “cartão”, isto é, um daqueles cartões profissionais que uma pessoa tem quando é um gestor de empresas. Contudo, no Japão o “meishi” (名刺) é um assunto sério, é esperado que uma pessoa o tenha logo que conclui a universidade e/ou se emprega. Ao contrário do que dizem muitos websites (em inglês), o meishi não é simplesmente a versão japonesa de um cartão de negócio (business card), é outra coisa e é importante perceber o que é para aceitar e executar correctamente o ritual que o envolve. Este artigo é fruto da minha experiência pessoal, mas podem saber mais sobre “meishi” consultando um artigo muito bom que já foi colocado neste website (ler artigo) em 2008.
Eu também não tinha um meishi e por isso tive de criar um antes de ir para o Japão, o que implicou pesquisas e leituras. Para além disso também pedir a ajuda de uma professora de lingua e cultura japonesa para criar a versão em japonês (sem erros grosseiros na escrita). Em Portugal uma pessoa não recebe um pacote de cartões em seu nome quando entra ao serviço de uma empresa, quando se regista como profissional liberal, nem quando se torna investigador de um determinado centro universitário, mas no Japão isso acontece assim. É a entidade responsável por cada trabalhador/representante que lhe fornece o cartão, e a partir desse momento as pessoas usam-no sempre que estão a trabalhar, e às vezes até em encontros pessoais.
Quando se apresentam como “estagiário da profissão X”, “aluno de mestrado de departamento Y” ou “membro da associação Z” é suposto que tenham um cartão que comprove isso mesmo. Não ter um cartão e terem apenas a vossa palavra fará muita confusão às pessoas, como se não pudessem acreditar em vocês. Portanto precisam criar um antes de irem para o Japão! Usem logotipos oficiais, mantenham o cartão simples de ler e com poucas cores, coloquem sempre o nome das instituições em cima do vosso, informem claramente os indicativos telefónicos e o email. Se quiserem podem colocar uma imagem no verso, ou então podem fazer um lado em inglês e outro em japonês. Actualmente este modelo bilingue é mais comum do que o modelo que o artigo supra citado sugeriu (e que era um lado em japonês e outro com a leitura japonesa em alfabeto ocidental).
Se pensam que ambientes mais informais tais como congressos de anime e manga dispensam “meishi”… nope. Mesmo nesses lugares é suposto que a apresentação entre duas pessoas seja feita por um conhecido mútuo e pela troca dos respectivos cartões. Basicamente cada cartão que dão é uma parte de vós que revelam e entregam ao cuidado da outra pessoa, tal como recebem uma parte da pessoa que vos dá o cartão. A correspondência entre uma pessoa e o seu cartão enraíza-se nas bandeiras de clãs do Japão antigo, e no modo como estes símbolos bidimensionais funcionavam em campo de batalha. O modo como recebem, guardam e cuidam do cartão de outra pessoa revela-lhe a consideração que lhe têm, e vice-versa, por isso se não conhecem o que é próprio e impróprio desta troca de cartões podem ser extremamente rudes sem se darem conta. Claro que os japoneses sabem que nem todos os ocidentais percebem a implicação do meishi, mas acreditem que vos vão tratar de modo diferente de acordo com o esforço que vocês fazem por compreender a cultura nipónica neste aspecto.
Agora vou explicar como ser um pro a dar e receber “meishi”. Se estiverem a dar os cartões em volta de uma mesa recebam primeiro o cartão da pessoa mais importante e coloquem-no sobre a vossa carteira arquivadora (vejam este tópico no outro artigo recomendado), os restantes devem ser recebidos também com atenção e colocados ao lado da vossa carteira arquivadora, sem os justaporem. Todos os cartões trocados entre as pessoas devem ficar à vista e na mesa até ao final da conversa, isto faz com que possam olhar para o nome das pessoas enquanto ainda não os memorizaram.
É esperado que cuidem de um cartão de outra pessoa para sempre e que ela faça o mesmo com o vosso. Apenas são trocados cartões na primeira vez que se conhecem e não poderão pedir outro se o perderem ou danificarem. Este é um aspecto importante porque é muito diferente da etiqueta ocidental. Se pedirem um segundo cartão estão a assumir que foram negligentes com essa pessoa e devem expressar uma profunda consternação e arrependimento. Outros “proibidos” são: molhar o cartão, pô-lo no meio de um livro/caderno, manuseá-lo com uma só mão, colocá-lo numa capa plástica, e escrever por cima.
Se eu fiz “proibidos”? Claro que fiz, especialmente nos primeiros dias! Felizmente perdoaram-me, explicaram-me e eu aprendi, mas deve-lhes ter parecido uma barbaridade… Pista para este e outros assuntos: perguntem, mostrem-se disponíveis para aprender. Se disserem “por favor explica-me como devo proceder para ser educado(a)” as pessoas vão esclarecer-vos. Mas se não perguntarem ninguém vos vai dizer o que fizeram mal nem vão transparecer o aborrecimento que causaram!
Artigo por: Inês Carvalho Matos