A “Linguagem Corporal” é a expressão pela qual, em português, nos referimos genericamente à parte não verbal (oral ou escrita) da comunicação entre seres humanos. Normalmente as pessoas pensam que a linguagem corporal é uma espécie de código de movimentos e posições que vamos aprendendo ao longo da vida através da socialização, primeiro na família e depois também na escola e no local de trabalho, para além de contextos de lazer claro.
E para além disso é “comunicação” por isso servirá para as pessoas se entenderem umas às outras em alternativa ou suplemento ao discurso. Não está muito longe da verdade, mas é mais do que isso. De modo mais subtil do que a linguagem gestual (para surdos/mudos) ou do que as regras de movimento e pose de ocasiões protocolares sérias (como o encontro entre representantes políticos), a linguagem corporal integra uma espécie de “tradição” de movimento específica de cada cultura.
Já terão eventualmente constatado que os povos do sul da Europa gesticulam mais do que os do norte e que, mesmo entre portugueses, italianos e espanhóis, o que se gesticula, como, quando e com que significado varia consideravelmente. Por isso esta linguagem é, tal como todas, profundamente dependente do contexto em que nasceu e se desenvolveu, e normalmente não é inteiramente consciente por quem a manifesta.
Ora é precisamente neste último ponto que isto se torna crítico para um português que vai para o Japão.
Reparem nisto: com vocês vai a vossa maneira de comunicar, ou seja, uma série de coisas que nem se aperceberam antes que faziam (gestos), mostravam (expressões) ou apresentavam (poses) aos outros no decurso da conversação ou em vez dela. Pois bem, é precisamente a linguagem corporal dos estrangeiros que os japoneses mais notam e à qual mais intensamente respondem. Entre japoneses a linguagem corporal pode comprovar ou desmentir uma afirmação, dar-lhe um sentido mais claro, ou até comunicar eficazmente uma mensagem, e em muitas situações (muitas mais do que no “mundo ocidental” pelo menos) as pessoas confiam neste tipo de comunicação para se conhecerem umas às outras e interagirem em sociedade.
Acontece que aqui vocês estarão inquestionavelmente como elemento alienígena, mesmo se falarem ou entenderem as outras pessoas em inglês ou até em japonês. Então conhecer algo da linguagem corporal como ela é e funciona no Japão é importante para prepararem a vossa ida, e eu vou dar algumas pistas de iniciação.
1) Eu olho para ti e tu para mim
Isto é um sinal proibido. Se querem chamar a atenção de uma pessoa para depois iniciarem conversação com ela não procurem o contacto directo com os olhos. Uma primeira abordagem baseada no contacto visual directo é rude. Se o fizerem o mais normal é que essa pessoa se ponha a olhar para o outro lado. Procurem colocar-se perto dessa pessoa, de lado, e pronunciem “Ano… sumimasen…” ao mesmo tempo que olham para a direcção da pessoa e aproximadamente entre a cintura e a gola do casaco/camisola (atenção, se for uma mulher não olhem para a zona do peito).
Também podem ser notados por uma pessoa sem olhar nos olhos e sem emitir qualquer som (só no Japão!) se se aproximarem dela (3 passos largos mínimo, e vindos de lado, nunca de frente) ligeiramente curvados e com o braço direito dobrado a 90 graus e para a frente, com a mão aberta e plana, dedos quase tocando-se, e ligeiramente descendo e subindo o braço alternadamente. Isso é o equivalente não verbal de “sumimasen” no que toca a “desculpe…” como chamada de atenção.
A mim aconteceu-me (dezenas de vezes) que japoneses simplesmente começassem a conversar comigo estando ao meu lado a escolher produtos no supermercado, sentados no banco à espera do eléctrico, na fila para pagar na loja, etc. Ao princípio demorava um bocado a perceber que aquela pessoa não estava a falar para o ar, era mesmo para mim. Não procuraram apresentar-se nem olhar nos meus olhos, “atiraram” simplesmente a conversa para eu apanhar.
2) O dedo indicador
O dedo indicador é muito útil na comunicação, mas também é um dos que protagoniza maior número de equívocos ou mesmo de desastres colossais. O dedo indicador tal como é usado para apontar é, claro, dependente do que se faz com o resto do braço porque age como um prolongamento deste. Vamos imaginar que estão às voltas na rua com um mapa, querem mostrar “vou para ali” e reforçar isso apontando. Ou então que alguém pergunta por onde se sai de um edifício e querem apontar essa direcção a essa pessoa. Não o façam com o dedo indicador e o braço esticado! Estiquem o braço com a mão aberta e voltem a palma para essa pessoa (se a pessoa estiver à esquerda esticam o braço direito, e vice-versa). Mas mais correcto ainda seria apontarem com a mão aberta e dedos juntos usando o braço recolhido e perto do corpo. Esticar os braços é mesmo muito rude porque mostra desconsideração pelos outros (e se chocassem com alguém?).
O dedo indicador pode ser usado para indicar “eu próprio” e na verdade “Watashi” (mulheres)/ “Ore” (homens) é uma expressão que várias vezes é acompanhada deste gesto. No entanto, enquanto no Ocidente o apontar para o “eu próprio” é apontar com o dedo voltado para nós e para a parte alta do peito, no Japão o equivalente correcto é colocar o dedo paralelo ao corpo, na vertical mas ligeiramente de lado, e com a ponta do dedo sobre a ponta do nariz (não tocando completamente). De preferência usa-se o indicador direito.
3) Mãos e bolsos
Eu diria que no Japão não é bom estar de mãos nos bolsos em 100% das situações, mas se estiver mesmo frio e se tiverem esquecido das luvas é aceitável. Se habitualmente colocam as mãos nos bolsos vão ter de fazer um esforço consciente para não fazerem isso, pois podem ser confundidos com pessoas de más-intenções. Estar de mãos nos bolsos e encostado de costas para uma parede é uma imagem que os japoneses associam aos gangues de máfia, especialmente se os vossos pés estão mais para a frente do que o tronco e por isso o peso está a ser transferido para a parede. Pensem, numa sociedade em que o trabalho árduo e não fugir às dificuldades está no âmago da identidade nacional como poderia ser aceitável que uma pessoa prefira uma postura cómoda mas “sem eixo” em vez de suportar firmemente o seu próprio corpo, corpo direito e sem apoios?
Se não sabem o que fazer com as mãos coloquem-nas abertas (nunca punho cerrado!) ao longo do corpo, com os braços caídos, segurem numa mala ou pasta, ou então (especialmente as senhoras) coloquem a mão esquerda gentilmente sobre a direita à frente do vosso corpo. Isto serve para o dia a dia e também para
as fotografias (excepto as informais, em que podem por os dedos em “V” perto da cara).
Coisas que vos podem fazer a vocês:
Abanar para a esquerda e a direita a mão aberta, plana, com os dedos juntos, à frente da cara, e com o pulso fixo. Se uma pessoa fizer isso para vocês depois de a abordarem (podendo estar a olhar para vocês ou não) isso vai parecer-vos estranho. Da primeira vez que me aconteceu pensei “Está a enxotar uma mosca?…”
A verdade é que essa pessoa não quer entrar em contacto convosco. Em vez de “recuso falar contigo” dito abertamente fazem este gesto. É um gesto de rejeição a comunicar convosco (por razões políticas ou outras) ou então um gesto de “não de entendo e não falo na língua que me falaste”.
Imaginem esta situação: estão a falar com uma pessoa sobre um assunto que vos fascina mas no qual a pessoa não tem muito à-vontade. Se esse interlocutor for japonês, e sobretudo se for mais novo que vocês ou mulher não vos vai calar, no entanto vai expressar corporalmente o seu nervosismo e vontade de acabar essa conversa. A mão aberta por trás da cabeça, na zona da nuca, é geralmente indicação que uma pessoa está envergonhada e constrangida, que quer sair daquela situação.
Expressões verbais associadas tais como “do kana…” (como será?) podem ser murmuradas em conjunto. Outros sinais mais ligeiros são o ritmo de ir tomando uma bebida (supondo que estão a ter essa conversação enquanto bebericam algo): se depois da vossa palavra vem um silêncio de mais de 3 segundos seguido de um gole dado de modo lento e com manifestação de agrado pela bebida, então é 100% seguro uma indicação de “vamos fechar esta conversa, falar do tempo em 3 frases e despedirmo-nos até amanhã”.
Escrito por: Inês Carvalho Matos