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[Guia] : Sayonara

Estando no Japão acontecem várias coisas a um ocidental, isto é, coisas que têm a ver com a sua adaptação (ou não), e que o fazem ter consciência do que é e do que faz de uma maneira que nunca lhe ocorreria se não estivesse no Japão. Este é um tema com milhares de entradas em blogues e fóruns, nas mais diversas línguas.

Sendo eu própria também uma dessas pessoas, embora sem a experiência de estar no Japão mais de 3 meses seguidos, tenho comunicado com alguns destes bloguers (aliás, a comunicação começou vários meses antes de ir ao Japão desta última vez).

Somando as minhas experiências às deles criei esta lista (altamente subjectiva) de tópicos, que estão numa ordem progressiva – tanto em ordem cronológica como de intensidade de “imersão”. Eventualmente podiam estar aqui outros tópicos mas estes foram os eleitos. Aceitam-se e agradecem-se partilhas e perguntas da parte dos leitores.

Como hoje é exactamente o dia em que, no ano passado, estava a meter-me no avião para regressar, pareceu-me que o devia assinalar desta maneira. Acrescento ainda que este tanto este Guia de Sobrevivência como o outro projecto que tive em andamento – “Um longo Verão no Japão” – encerram em 2013. Isto é, 2012 foi um ano de viagem, 2013 de reflexão e produção de conteúdos sobre essa viagem, e 2014 será… uma surpresa que ainda não revelo! Mas eu vou estar por aqui, sempre ligada ao Japão. Ja mata ne.

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“No Japão: a lista do que nos acontece quando vamos (para ficar bastante tempo)”

1) Em vez de conduzir, usar transportes públicos –> inevitável, pois quando se vai não se leva o carro, mas também muito conveniente porque os transportes realmente funcionam.

2) Ter cuidado com a aparência ao ponto de redefinir noções como “parecer bem” e “estar em boa forma” –> é muito mais exigente do que se poderia imaginar, para ambos os sexos e todas as idades sub-60; estar limpo, impecável e “fashion” simplesmente não chega.

3) Ter muito mais cuidado com as boas maneiras, pedindo os “faz favores e com licenças” todos (e o tempo todo), e de modo geral desacelerar –> pois só com um permanente cuidado sobre os que nos rodeiam é que evitamos maus modos; visto que o ideal não é estar sempre a pedir desculpas, é evita-las.

04) Ir dormir cedo, e acordar cedo também –> por adaptação aos ritmos de vida isso acontece logo, mas de modo geral é preciso adaptar a dormir menos (8h de sono por noite é um conceito alienígena).

05) Falar inglês devagar –> isto é na verdade desaprender inglês, pois o (pouco) inglês que serve para comunicação no Japão leva o falante de inglês a parecer ridiculamente desprovido de vocabulário e ritmo quando volta a falar com um inglês nativo (ao fim de 3 meses pelo menos).

06) Ficar um pouco confuso porque não há assertividade nem capacidade decisória individual, ao ponto de não ser possível saber se um encontro/evento se vai realizar ou não (porque não dizem que não vai); de modo geral a negação não existe.

07) Adoptar certos usos quotidianos tais como por exemplo o uso da toalhinha pequena em volta do pescoço (para homens) ou do lenço de pano que está sempre na mala ou bolso (para mulheres); usar o chapéu de chuva também como chapéu de sol (em vez ou como suplemento do protector solar).

08) Começar a questionar-se se o protocolo não estará a impedir a eficiência de certas tarefas simples (isto vai mesmo paracer estranho a quem não tenha estado lá… mas quem esteve sabe muito bem o que é!)

09) Usar a loja de conveniência para tudo e mais alguma coisa –> isto é diferente de quando lá íamos porque a comida pronta era conveniente ou porque era um bom sítio para comprar blocos de notas; isto já é o nível de “olha, vou à Konbini” quando não temos mais nada que fazer. Existe até um grupo musical japonês que fez um vídeoclip sobre isto!

10) Gostar de tomar um banho quente ao final do dia, e concordar absolutamente que esta rotina nos traz qualidade de sono –> com o tom de nos perguntarmos “mas porque é que no Ocidente não fazem isto?”

11) O apartamento pequeno (isto é, minúsculo) deixou de nos parecer claustrofóbico e parece agora acolhedor, como o nosso ninho sossegado, e começamos a gostar de o arrumar e estar ali a ler ou ver tv, com tudo à distância de dois passos.

12) Gostar quando um cidadãos japonês (geralmente criança ou idoso) mete conversa ou responde a um comentário, por exemplo num supermercado, fila de espera de correios ou semelhante –> mas não entender (ainda) que o suposto elogio sobre falarmos bem japonês é na verdade uma crítica velada

13) Ir pela primeira vez a um estabelecimento “western friendly” (após mais de 2 meses no Japão geralmente)–> primeiro com algum sentimento de culpa (“Mas então eu não sou capaz de aguentar estar no Japão?”) e depois com uma sensação estranha de estar a desfrutar (“Pode-se desfrutar de ser Ocidental?”), e por fim com um efeito catárquico de alívio (“Ah, não sou só eu a notar isso!”) quando metemos conversa com outras pessoas (geralmente americanos, canadianos e australianos).

14) Tornar o consumo de certas coisas tão normal que já nem se pensa nisso: o chá verde (mais normal que água), o adamame (feijões de soja cozidos em casca), o natto (feijões de soja fermentados), o ovo cru na carne grelhada (grelhados em estilo coreano), etc.

15) Dormir no comboio, ou sempre que há um banco livre e 10 minutos desocupados –> isto são as tais 5 ou 6 horas de sono por dia a matar o ritmo do ocidental habituado às 8 horas.

16) (secretamente) Listar coisas irritantes na vida diária no Japão e/ou na sociedade japonesa, mas apenas para reflectir sobre elas e compreender como as contornar. (óptimo motivo de conversa na próxima visita ao bar western friendly, muito terapêutico, porque no fundo todos adoramos o Japão)

17) Manifestação de uma certa paixão por vending machines –> misto de utilidade, curiosidade e incapacidade de não ir lá ver o que tem para vender.

18) Começar a entender sentimentos complexos tais como a “solidão na multidão” e o conceito de “face” (cara-fachada) nas relações sociais –> isto já é um daqueles territórios de experiência emocional equivalente a sentir o “fado” ou a “saudade” para o português, mas muito levezinho…

19) Compreender que sempre que nos disseram que falávamos bem japonês ou usávamos bem os pausinhos ou sentávamos bem de joelhos estavam na verdade a indicar que não estávamos a fazer nenhuma dessas coisas bem; tal como muitos outros comentários sociais significam exactamente o contrário daquilo que soam.

20) Gostar da distribuição de lenços de papel (pequenos pacotes com 8 a 10 unidades) na rua, mas (compreender com alguma mágoa que isso) é porque sorriem para nós, falam connosco e nos entregam uma coisa mão-em-mão.

21) Notar que se está numa sociedade fortemente definida por questões de género (se é mulher nota que só tem à sua volta outras mulheres; se é homem nota que só tem à sua volta outros homens; e sobretudo que a situação não é reversível).

22) Adorar as meias dos pés com dedos e pensar em comprar várias para trazer para casa; isto geralmente vem acompanhado dos primeiros pensamentos preparatórios de voltar para casa, tais como “o que vou levar?” e “que postal de obrigado vou dar aos meus amigos/colegas?”

23) Escrever um blog ou diário e de modo geral querer partilhar com os outros os efeitos de uma estadia prolongada no Japão, com alguma esperança de motivar outras pessoas a viver essa experiência e ajudar no (inevitável) impacto (choque?) cultural.

Escrito por: Inês Carvalho Matos

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