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O Partido Comunista Japonês

O Partido Comunista Japonês (PCJ; 日本共産党 Nippon Kyosantō) tem tido um papel secundário na vida política japonesa, nunca tendo feito parte de qualquer legislatura e atraindo actualmente cerca de 15% da votação nas legislativas de 2014 (tendo subido de 8 para 21 deputados na câmara baixa da Assembleia e constituindo o melhor resultado em 20 anos; o máximo histórico é de 1979 quando obtiveram 39 deputados).

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No entanto, o PCJ tem mais militantes, mais grupos de afiliados, maior orçamento, mais assinantes das suas publicações e uma melhor organização do que os outros partidos políticos japoneses. Nas últimas eleições autárquicas o PCJ tornou-se mesmo no maior partido da oposição (verdadeiramente dita, já que outros partidos partilham a ideologia conservador do Partido Liberal Democrata, que tem estado no poder de forma quase ininterrupta desde 1955), elegendo 136 membros da assembleia nas várias províncias/prefeituras, com mais de 6 milhões de votos.

O partido tem hoje em dia mais de 400 mil militantes, sendo que 10 mil destes apenas em 2014 entraram no partido. Publica ainda um jornal diário, Akahata (しんぶん赤旗 “A Bandeira Vermelha”), com circulação de cerca de um milhão e 600 mil exemplares. As suas principais reinvindicações estão mantidas desde a sua formação e são, a saber: a abolição do capitalismo e das forças armadas e o fim da aliança militar com os Estados Unidos da América. Para além disso associa-se a vários movimentos feministas (sendo o partido japonês com mais mulheres tanto como candidatas como efectivamente eleitas) e juvenis, assim como movimentos anti-nuclear, a favor da paz, e pelos direitos dos trabalhadores.

Tendo sido fundado em 1922 a partir da Internacional Comunista (de base marxista-leninista), foi rapidamente alvo de repressão por parte do governo imperialista japonês. Forçados a trabalhar na clandestinidade, sofreram vários reveses, a começar por terem sido, logo na décade de 30, “deserdados” pela União Soviética por suspeita de tendências trotskistas no partido, assim como, pela sua ilegalidade, terem tido de enfrentar sucessivas prisões de membros de nomeada. Por isso, o partido entrou efectivamente em hiato a partir de 1935, sendo que até ao final da 2ª Guerra, o número total de militantes do partido nunca terá excedido o milhar. No entanto, a sua posição saiu reforçada no pós-Guerra, advinda de ter sido o único partido (e dos poucos grupos) que, por sua vez, se opôs ao militarismo japonês. Este período foi também marcado pela reintegração na esfera soviética, e na procura de fazer valer os direitos da classe trabalhadora face às enormes mudanças que ocorriam durante o processo de reconstrução social que se seguiu à derrota do Império Japonês.

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A re-afiliação com a União Soviética num país que estava sob ocupação efectiva pelos Estados Unidos da América não caiu obviamente bem nestes últimos, à medida que se desenhava a Guerra Fria. Com as devidas distâncias do macartismo nos Estados Unidos, a verdade é que em 1949 vários comunistas e simpatizantes foram saneados de cargos tanto públicos como privados, pelas bandeiras do partido (desmilitarização e pacifismo, que aliás eram pilares da nova constituição) chocarem com os intuitos da força ocupadora, que viam (e valha a verdade ainda vêem) no Japão um pólo fundamental na implementação dos valores ideológicos norte-americanos naquela região do mundo. Ainda assim, por esta altura, o partido contava já com 100 mil militantes, assim como nas eleições de 1949 contou com 3 milhões de votos (10% do total, 35 deputados). À medida que evoluía a Guerra da Coreia, o PCJ volta a renegar afiliação com a União Soviética e vira-se para a República Popular da China, chegando aos 300 mil militantes em 1966, antes de também (inexoravelmente) abandonar o maoísmo. Nesta altura começou finalmente a assumir uma postura e identidade independente e de ideologia completamente japonesa.

Associada a esta transição foi o surgimento, nos meados da década de 1950, da figura de Kenji Miyamoto, histórico secretário-geral do partido, que dirigiu efectivamente durante cerca de 40 anos, estando assim definitivamente ligado ao seguir de uma linha política mais branda (por oposição ao período antes da Guerra e os anos iniciais do pós-Guerra). Moderniza assim o PCJ, levando-o para lá do dogmatismo soviético e chinês e assumindo uma posição de relevância comparável aos assumidos pelos partidos comunistas em alguns países europeus (sendo de relevar especialmente o modelo italiano). Bem inserido numa super-potência industrial e económica, mantém assim independência ideológica e o crescimento sustentado do número de militantes (com o pico a surgir no final da década de 80, com cerca de meio milhão).

Por outro lado, no país mais “igualitário” em termos de rendimentos no mundo (ou seja, em que os 10% mais ricos e os 10% mais pobres estão mais próximos, segundo o índice de desenvolvimento das Nações Unidas), ou antes, num país em que 90% do povo se considera fazer parte de uma classe média e em que não existe um proletariado propriamente dito, vê-se um futuro incerto num partido que (à semelhança de Portugal, mas ao contrário de muitos partidos comunistas por todo o mundo) recusou e recusa mudar de nome, à medida que a ideologia e os governos comunistas foram (de)caindo ao longo dos anos e um pouco por todo o mundo. Isto tem sido, aliás, um problema com que o comunismo se tem debatido desde a cisão da União Soviética e a adopção de uma economia de mercado pela China.

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No entanto, o caso japonês novamente assume a sua singularidade pois também o proletariado não esteve realmente representado nos primórdios do partido, nem nas suas principais figuras que, por outro lado, vinham antes da elite cultural (o histórico presidente Miyamoto e o actual presidente [desde 2000] Kazuo Shii, por exemplo, formaram-se na Universidade de Tóquio, que já teve como alunos 15 primeiros-ministros e 11 prémios Nobel). Sendo que, na era da Informação, os partidos tradicionais parecem apresentar problemas em cativar o eleitorado (também no Japão a abstenção sobe para números-recorde), será o PCJ capaz de continuar a apresentar-se como alternativa fiável?

Parte integrante do sucesso do PCJ é a sua actividade editorial, que acaba por financiar todo o partido. Não só pelo Akahata (diário desde 1945), mas também uma grande quantidade de outras publicações periódicas dirigidas a mulheres, estudantes universitários, crianças, assim como de teoria económica e ideológica, para além das publicações próprias dos vários órgãos e movimentos associados ao partido. Para além disso, publicam ainda a panfletagem habitual e um extenso catálogo de livros, incluindo traduções para distribuição no resto do mundo. A independência garantida por esta vertente comercial permite-lhe assumir-se como o partido mais rico do Japão (a ironia não passará incólume), recusando mesmo o subsídio atribuído aos partidos pelo governo, assim como financiamento por outras entidades (como grandes empresas, organizações religiosas, etc.

como sucede com os outros partidos japoneses). O facto de não se associar a outros interesses que não os próprios livra-se de um dos estigmas que mais tem afectado o panorama político japonês, os sucessivos escândalos de corrupção, constituindo assim uma razão para a crescente popularidade do partido, assumindo-se como isento e de cara lavada. Claro que se poderá supor um movimento geral e global de desilusão e frustração com os principais partidos japoneses, e com o governo de Shinzo Abe à cabeça; especialmente pela promoção da reactivação das centrais nucleares, do corte nos impostos das grandes empresas e na diminuição das restrições ao exército.

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O empenho progressista na igualdade entre os sexos e a mensagem de paz parecem apelar a um número significativo de eleitores japoneses, e o próprio facto de ter resistido quer à opressão imperial japonesa, quer à opressão da ocupação militar norte-americana do pós-Guerra, quer às guerras ideológicas entre o estalinismo e o maoísmo, quer à prosperidade económica que fez desenvolver o país, parece tê-lo tornado aparentemente resistente a todas as contrariedades. Estando focado no seu papel como força de oposição à autêntica dinastia conservadora que tem governado o Japão moderno, o PCJ, mesmo pela sua amplitude que, no Japão, acaba por englobar toda a ideologia de esquerda, facilmente se assume como um dos mais bem sucedidos partidos comunistas [excluíndo obviamente os partidos que integraram ou integram governos] tanto mais não seja, pela dimensão da sua base de militantes, votos recolhidos e orçamento; o que não deixa de ser um facto espantoso quando falamos de um país com a terceira maior economia global.

Escrito por: João Mota

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