O outro dia, num jantar casual, onde se preparava um muito português “curry rice”, começou a conversa da cultura, apontando para a Ásia e como ela era vista pela Europa. A distância física, além do afastamento cultural e respectivo fascínio que tantos conhecem, promove a fusão mental de países que para olhos desatentos e desabituados são os mesmos costumes, as mesmas pessoas, a mesma mentalidade. Raros serão os portugueses que reconhecerão as especificidades geográficas e culturais do Laos, Cambodja e Tailândia. Raros serão os Vietnamitas que reconhecerão o mesmo na Alemanha, Bélgica e Holanda. Isso é normal, até um certo ponto. Afinal, o que os olhos não vêem o coração não sente.
É claro que, por vezes, e em contextos mais ou menos específicos, como o de estudar fora, estes silos culturais em que nos encontramos, têm consequências nefastas. Em particular com a troca da identidade cultural de quem está de visita. Identidades que, por motivos semânticos, históricos, culturais, familiares ou pessoais, não merecem, não devem e não podem ser trocadas de ânimo leve.
O cozinheiro, japonês, do já fumegante “curry” disse que, desde a sua vinda para Portugal, começou a ter muito mais animosidade pelo povo chinês. Isto foi estranho dado o seu, muito pouco usual no Japão, total conforto em ambientes internacionais. Desenvolvendo, ele apresentou três razões.
Primeiro o desgosto de todos os asiáticos, na pequena mente portuguesa, serem chineses. Tendo o Japão uma relação relativamente tensa com a china (e com a Coreia, e com a Rússia) e sendo as culturas tão diferentes como tantos de nós sabemos, isto é dificilmente entendido, mesmo quando se traça, por exemplo, o paralelismo Suécia/Noruega. É que os japoneses, por fortes razões históricas conhecem bem Portugal e serão dos poucos países ex-Europa que não nos colocam no saco da Espanha.
A segunda razão é o forjar de produtos japoneses em lojas chinesas. Em particular os que definem, em muito, a cultural e, em particular, a gastronomia japonesa. É implícito e, provavelmente, feito sem consciência e para facilidade de quem compra mas, para um japonês ter de ir comprar farinha de tempura ou katsuobushi para takoyaki numa loja chinesa é triste e, de uma maneira muito intima e invisível, revoltante.
Por fim, a razão que mais me surpreendeu. Chamar, sem mal, por um mal entendido ou uma brincadeira, por um desconhecimento ou um copito a mais “chinês” a um japonês, pode não parecer nada de especial … para quem desconhece as idiossincrasias da superstição e língua japonesa. Mantendo em mente que no Japão há ruas e prédios sem o número e andar quatro (shi 四), pois shi é o som da primeira sílaba do verbo morrer (shinu 死ぬ); parece-me normal que um japonês repudie e sinta um desconforto muito próprio quando alguém lhe chama de “chinês”, sonoramente parecido com “shine” (死ね) que é a conjugação imperativa do referido verbo. Ou seja, no ouvido japonês, por uma infeliz coincidência cultural, como há tantas, “chinês” é “morre!”.
Embora seja verdade que o que os olhos não vêem o coração não sente, vamos tentar, em contextos internacionais e não só, saber o como, o quem, o porquê e o onde. E com isso aumentarmo-nos e aos que, mesmo do outro lado do mundo, nos rodeiam.
Autor: Mors
Nuno Demion
Interessante nunca tinha associado “shine” com “chinês”, nem nunca me tinha apercebido sequer da semelhança das palavras.
João Tojo
Boa noite!
Obrigada desde já pelo o artigo, foi um prazer lê-lo 😉
Mas tenho algumas opiniões que vão contra algumas das coisas que expuseste aqui.
Primeiro, dizes que o Japão e a China são paises muito diferentes e existe um certo desgosto quando um Japonês é confundido com um chinês por causa das suas tensões existentes..mas um Japonês que fique magoado com isso é um Japonês que não conhece a sua história.. O Japão sempre foi um país copycat e sendo a China e a Coreia os únicos países que, durante muitas centenas de anos, tinham comunicação “directa” com o mesmo acabou por copiar muita mas mesmo muita coisa desses paises.. Desde a base de comida como arroz, sistemas politicos, costumes, festivais e até a própria base da sua linguagem – Kanjis! Esse desdém parece-me um pouco morder a mão que te alimenta ou só mesmo ignorância 😡 Vá lá..até o curry (que penso que nem é português por falar nisso) que eles tanto orgulho têm vem da Europa.
Depois, em relação às lojas dos chineses venderem os seus produtos..só consigo ver coisas positivas porque se não fosse por tais lojas tinhas que comprar esses produtos apenas em lojas especializadas, que não existem assim tantas, ou em zonas de comida internacional dos hipermercados! oh well..
Em relação ao shine, lol!
t3tsuo
São raras as lojas chinesas que vendem comida por exemplo em Coimbra existem umas 30 lojas e nenhuma tem comida, por isso, não me faz confusão ter que comprar os produtos alimentares em supermercados ou lojas de produtos diatéticos.
Também achei piada à associação da palavra “shine” com “chinês”.
ronaldo
epah fiquei tao contente ao ver esse link http://www.japonshop.com/ mas afinal mais é uma desilusão, um site de espanha e nao daqui. Pois como eles sabem o suficiente ,um japonês é bem diferente de um chines, e bem notavel, mas nem raro dessa problema portuguesa, como há uns anitos que nem sabiam o que é, e onde fica “MACAU”, ultimamente já conhecem, tarde demais.
Paulo
Belo artigo! 🙂
mors
Caro João Tojo, por muito que o Japão – e todas as outras culturas – copiem os vizinhos o Japão é dos países que mais se pode orgulhar de ter uma cultura diferente. Independentemente de onde ela veio, a sua transformação e clausura permitiu que um desenvolvimento muito próprio.
Não vais dizer que Portugueses são Espanhóis porque são vizinhos e têm a mesma religião e partilham os mesmos Santos e festas ~ ou vais? -_-|