Feliz Dia Internacional da Mulher! Para comemorar este dia iremos trazer-vos alguns artigos dedicados à mulher japonesa. Contudo, infelizmente este dia não está ligado apenas a elementos felizes e, por isso, o objetivo deste primeiro artigo será o de dar uma visão geral sobre a posição da mulher no Japão ao longo dos anos, havendo um foco nos momentos que antecedem e sucedem os movimentos sufragistas. E claro, é necessário salvaguardar que cada época é uma época, cada mulher é uma mulher, e que de nenhuma forma este artigo pretende insinuar que todos os aspetos abaixo referidos são seguidos como regra pela totalidade da população.
Se estiverem curiosos coloquei uma lista de Bibliografia Recomendada no final deste artigo para que possam confirmar algumas das informações ou para que possam conhecer mais detalhadamente alguns dos assuntos.
Não é novidade que o Japão sempre foi uma nação essencialmente patriarcal, tal como acontecia um pouco por todo o mundo. Dos 123 imperadores apenas nove foram mulheres, tendo duas exercido esta função duas vezes. Por outro lado, as Imperatrizes eram sempre antecedidas e sucedidas por homens, ou seja, o poder é sempre passado de pai para filho, pai para filha, ou mãe para filho. A esta regra existe apenas uma exceção, entre as Imperatrizes Genmei e Gensho durante o Século VIII. (Faremos em breve um artigo sobre as Imperatrizes).
A presença de mulheres no trono japonês, especialmente até ao Século XVII, é ainda acompanhada de uma grande liberdade feminina, onde as mulheres possuíam certa independência financeira, direitos de herdar propriedades e até de manter amantes.
Esta situação muda radicalmente durante o final do Século XVII e início do Século XVIII, altura em que o neo-confusionismo começa a influenciar e a moldar a sociedade japonesa. Entre as obras de referência temos, por exemplo, “Onna Daigaku” publicada em 1729 por Kaibara Ekken (1630 – 1714). Este “manual” pretendia mostrar às mulheres qual o seu verdadeiro lugar na sociedade, defendendo a ideia de que são incompetentes na educação das crianças (dos futuros pais de família), que não são de confiança e que deveriam obedecer cegamente aos seus pais e, mais tarde, aos seus maridos.
Para melhor atingir este objetivo – de transformar qualquer mulher numa mãe capaz de educar o seu filho de modo a torná-lo num exemplar chefe de família – o governo Meiji aposta na educação das jovens mulheres. Contudo, este ato levará a consequências para as quais a sociedade não estava preparada.
Entre as aulas de arranjos florais e preparação do chá – atividades que qualquer boa dona de casa deveria dominar – as jovens alunas começam a aprender mais sobre o mundo da política, consequência da grande taxa de alfabetização e do elevado grau de escolaridade que agora detêm. Claro, este interesse não seria fácil de alimentar, especialmente pelo facto das mulheres estarem proibidas por lei de expressar as suas opiniões políticas, de se juntarem a partidos ou estarem presentes em reuniões desses mesmos partidos.
A situação piora em 1898 quando é instaurado o Sistema Ie que confina ainda mais as mulheres às suas casas e vidas domésticas. O Sistema Ie, entre outras regras, propõe que cada família possua um chefe de família responsável por todos os membros. Quando se encontra demasiado velho, o chefe de família deve passar este cargo ao seu filho mais velho, que por sua vez fica encarregue de viver na casa dos pais e tomar conta deles até à sua morte. No entanto, o que realmente acontece é que as esposas têm agora o dobro do trabalho – para além de serem responsáveis pela educação dos filhos e limpeza da casa, têm agora de tomar conta dos sogros, deixando-lhes pouco ou nenhum tempo livre.
Mas esta é apenas uma das leis instauradas no final do Século XIX e início do Século XX. Outra lei, por exemplo, entra em vigor em 1908 e permite aos maridos assassinarem legalmente as esposas por infidelidade, sendo que não era necessariamente importante a apresentação de provas definitivas que justificassem o homicídio.
Todas estas limitações e leis opressivas fazem crescer ainda mais o descontentamento das mulheres e culmina no nascimento do movimento feminino que chega ao seu auge nos anos 20, seguindo as tendências internacionais. Entre as conquistas destas mulheres está, por exemplo, uma reforma na lei que lhes permite finalmente participarem em reuniões de partidos políticos, apesar de continuarem banidas de fazerem oficialmente parte deles – não esquecendo que muitos políticos da época acreditavam que a sua participação na vida política retirar-lhes-ia tempo para a execução das suas atividades domésticas, fundamentais ao bom funcionamento da família tradicional japonesa.
Outro momento que liberta as mulheres das suas funções, dando-lhes uma oportunidade de se organizarem é o terramoto de 1923 que destrói grande parte das cidades de Tokyo e Yokohama, causando ainda danos em toda a região de Kanto. Como resposta ao desastre é criada a Tokyo Rengo Fujinkai (Federação de Tokyo das Mulheres Organizadas), com o objetivo de ajudar as vítimas. Com ela, nasce o maior grupo de ativistas do país.
Algum tempo depois a federação divide-se em cinco grupos dedicados à sociedade, ao governo, à educação, ao trabalho, e ao emprego. Do grupo focado no governo aparece a Fusen Kakutoku Domei (Liga de Mulheres Sufragistas) focada na obtenção do voto para as mulheres. Os seus manifestos incluem provas de como o voto feminino é justificado e essencial – como educadoras é sua responsabilidade destruir tradições que vão contra a igualdade de géneros; tanto homens como mulheres possuem graus de escolaridade semelhantes e é apenas natural que seja concedido o direito ao voto a ambos; o voto é fundamental à proteção de mais de quatro milhões de trabalhadoras diariamente vítimas de abuso; sem direitos políticos não é possível um reconhecimento das mulheres por parte do seu próprio governo.
O movimento manifestou-se de várias formas mas uma das mais eficazes foi a criação da Seito, Fujin Koron e da Shufu no Tomo, revistas feministas que se aproveitavam da elevada taxa de alfabetização. As edições tocavam em assuntos como o aborto, a sexualidade, a política e a independência, e incluíam também obras feministas ocidentais proibidas em território nacional.
Não posso ainda deixar de mencionar neste artigo nomes como Shidzue Kato, Fusae Ichikawa (imagem a cima), Shigeri Yamataka, e Hiratsuka Raicho, mulheres fundamentais aos movimentos sufragistas no Japão.
Shidzue Kato (1897 – 2001) lutou pelos direitos de reprodução da mulher e direitos políticos, tendo inclusivamente anulado o seu primeiro casamento e casado uma segunda vez, algo extremamente raro e difícil na altura. Fusae Ichikawa (1893 – 1981) lutou pelo direito ao voto e pelo direito de presença em reuniões políticas. Depois de viajar até aos Estados Unidos da América logo após a Primeira Guerra Mundial, Ichikawa conhece mulheres como Alice Paul e vê o grande avanço que os movimentos feministas estavam a ter no Ocidente. Shigeri Yamataka (1899 – 1977) trabalhou bastante com Ichikawa e chega mesmo a exercer funções políticas com ela na década de 1950. Finalmente, Hiratsuka Raicho (1886 – 1971) foi fundadora da Associação da Nova Mulher (Shin Fujin Kyokai) em 1919.
Em 1946, após o final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América obrigam à alteração da Constituição Japonesa, permitindo, entre outras coisas, que as mulheres pudessem agora votar, escolher os seus maridos e ocupações. Este ato concede-lhes maior liberdade, um status mais elevado, e maior igualdade perante os homens. Com o passar do tempo outras medidas foram tomadas, permitindo às mulheres ordenados equivalentes aos dos homens, casarem sem o consentimento do patriarca da família, herdar a herança da família, entre outros.
Estas alterações permitem também às mulheres adquirirem graus de escolaridade mais elevados. Até 1910 muito poucas universidades aceitavam mulheres e as que o faziam raramente viam as suas alunas completarem o curso por estas serem obrigadas a casar ou por serem retiradas da universidade pelos pais.
As primeiras mulheres a conseguirem graus universitários foram: Tsuruko Haraguchi (1886 – 1915), a primeira mulher a conseguir um doutoramento em Filosofia; Yoshioka Yayoi (1871 – 1959), fundadora da Universidade de Medicina para Mulheres em Tokyo; e Tsuda Umeko (1864 – 1929), graduada nos Estados Unidos da América e criadora do Instituto de Estudos Ingleses para Mulheres, e da Universidade de Tsuda onde atualmente se pode encontrar o seu túmulo.
Os atos destas mulheres incentivaram em muito a educação das mulheres japonesas e graças aos seus esforços, ao longo das décadas a percentagem de sucesso escolar feminino foi crescendo. Em 2012 um estudo revelou que 98.1% da população feminina terminou o ensino secundário, e delas 45.8% completaram o ensino superior.
Atualmente as mulheres vivem numa situação ambígua. Por um lado, são incentivadas a participar no mundo do trabalho. Por outro, são constantemente expulsas dele – encorajando a vida doméstica após o casamento de forma a cuidarem dos filhos (ganhando cerca de 40% menos do que os seus colegas homens), ou sendo aceites essencialmente em trabalhos part-time (77% das mulheres empregadas exerce funções neste tipo de emprego).
Nos casos em que a mulher sai do mercado de trabalho para poder dar à luz e cuidar do bebé nos primeiros meses, o regresso ao emprego torna-se bastante difícil, especialmente devido ao “matahara” ou assédio maternal, no qual, entre outros fenómenos, as mulheres são vítima de uma grande redução nos seus ordenados. Um estudo realizado por Hannah Beech (Time Magazine) mostra que 30% das mulheres que regressam ao trabalho depois da licença de maternidade terminar são alvo de “matahara”. Não esquecendo também o facto de ser esperado das mulheres conciliarem a vida pós-laboral (conviver com colegas de trabalho) e a vida doméstica (fazer refeições para os filhos, arrumar a casa, entre outros).
A nível comportamental ou de etiqueta ainda há bastantes expectativas e regras, nomeadamente as mulheres devem ser modestas (incluindo falar baixo e o mínimo possível), limpas (especialmente nas casas), simpáticas (entretendo visitas, preparar e servir chá), e confiantes (de forma a que as crianças as respeitem e obedeçam). Não podemos esquecer também que a indústria de cosmética japonesa é a segunda maior do mundo, reforçando a ideia de beleza presa à mulher japonesa (pele clara, estatura pequena, olhos grandes, “fofora/kawaii”). Contudo existem avanços especialmente se tivermos em conta que as mulheres eram obrigadas a submeter-se a uma regra de “três submissões” – obedecer ao pai, depois ao marido, e no final ao filho mais velho.
No parlamento, um estudo realizado pelo The Economist sobre a participação das mulheres nos parlamentos mostrou que o Japão se encontra em 123º lugar num total de 189 países. O parlamento japonês é constituído por 10% de mulheres, ainda que o governo pretenda elevar este número para 30% até 2020. Por curiosidade, um estudo realizado por próprio governo japonês em 2012 concluiu que 70% dos japoneses concordam que é dado um tratamento preferencial aos homens.
A este nível Shinzo Abe tem, apesar das críticas ao seu governo, lutado por uma maior igualdade de géneros. Para além de querer aumentar o número de mulheres no parlamento, também tem planos para aumentar o número de creches. Ainda que provavelmente estas propostas venham para tentar fugir a assuntos inconvenientes como os problemas em Fukushima, entre outros.
No fim a luta das mulheres por melhores condições de vida e trabalho tem consequências como a queda da taxa de natalidade pelo que muitas mulheres preferem trabalhar a casar e ter filhos, especialmente devido à grande dificuldade em conseguir ambos.
No entanto, claro, não podemos esquecer o grande número de mulheres que escolhe de livre vontade ficar em casa e levar uma vida doméstica, optando por trabalhos mais leves e part-time quando necessário. Desta forma podem manter tradições típicas femininas como as caixinhas de bento onde as mães colocam os almoços para os seus filhos e até maridos.
Apesar dos grandes recuos em relação aos direitos da mulher, o Japão tem nas últimas décadas dado grandes passos na igualdade de géneros. Espero que este artigo tenha sido útil na compreensão dessa evolução, e claro que este avanço continue nas próximas décadas.
Bibliografia Recomendada:
- Azure Gilman, “Work Conditions for Japanese Women May be Affecting Marriage, Birth Rates” (http://tinyurl.com/pe3tetc)
- Beate Sirota Gordon, “The Only Woman in the Room”. ISBN: 9780226132655
- The Economist, “Holding Back Half the Nation”. (http://tinyurl.com/m3da4qe)
- Hannah Beech, “You Mean Women Deserve Careers? – Patriarchal Japan Has Breakthrough Moment.” (http://tinyurl.com/jazxff8)
- Helmut Morsbach, “Aspects of Japanese Marriage”. ISBN 978-0300186079
- Japan Cabinet Office Gender Equality Bureau, “Perceptions of Gender Inequality”
- Joy Hendry, “Marriage in Changing Japan: Community and Society”. ISBN 0804815062 (http://tinyurl.com/hdh63m7)
- Marnie S. Anderson, “Women in Modern Japanese history”. (http://tinyurl.com/hwsmd5w)
- Takie Sugiyama, “Japanese Women – Constraint and Fulfillment”. ISBN 0824810252
Escrito por: Ângela Costa